Creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais viril e de mais perfeito do que o Cristo; e eu digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e não pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se acha n'Ele, prefiro ficar com o Cristo a ficar com a verdade. (Dostoievski)

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12 de dez. de 2008

Lula e seu palavreado de alcova

Não é só o nosso presidente, Luiz Inácio Lula Mané da Silva, que gosta de um vocabulário de alcova


Diarréia, Sifu

Nesta semana, os temas abundaram. Há ocasiões angustiantes, fica-se procurando um pretexto para a coluna, e nada. Nenhum cidadão diz alguma coisa peculiar (ou a mídia não põe a peculiaridade em circulação) e nenhum colunista diz nada de muito estrambótico sobre sintaxe ou ortografia.
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Mas, neste começo de dezembro, os deuses foram generosos: Cony reclamou da linguagem acadêmica, porque não entendeu passagens de um texto, Lúcia Guimarães escreveu sonoras bobagens sobre gerundismo em sua coluna no Estadão, Lula teve um comportamento no mínimo informal, em pronunciamento no Rio de Janeiro (falou "diarréia" e "sífu", abalando os sólidos alicerces morais e etiquetais da sociedade brasileira), um jornalista de Brasília analisou pérolas do ENEM, artigo meio bobo que mereceu análise muito competente de Marina Silva
etc.
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Vou ficar com o caso Lula. William Bonner anunciou o pronunciamento no Jornal Nacional, prevenindo a Nação de que o presidente tinha usado linguagem (senho franzido, olhar de lástima dirigido ao Hommer Simpson que ele imagina do outro lado da tela)... "extravagante".
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Lula, à vontade, desancou os que têm uma "diarréia" de mercado e depois pedem socorro ao Estado. Em seguida, defendeu sua posição de animador da economia; alegou que não pode ficar dizendo que há crise, que ele tem que incentivar o povo. E fez uma comparação (não venham dizer que foi uma metáfora, por favor...): se um médico vai falar com um doente, o que deve dizer? Que vai melhorar, que vai sair dessa, ou deve dizer que o cara "sífu"? Pois foi o "sífu" que colocou o país em polvorosa.
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Uma cidadã que viu o telejornal escreveu à Folha de S. Paulo dizendo que achava a linguagem de Lula indecente, e não extravagante (disse mais: que está entre os 30% que desaprovam lambanças e não apóiam o presidente). Um leitor foi ainda mais radical: achou a coisa tão ruim que está pensando em renunciar à cidadania brasileira.
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Contam os jornais que o discurso do presidente foi transcrito sem o "sífu" em algum site oficial, mas que a "palavra" voltou mais tarde ao documento. A Folha menciona o episódio em seu editorial, e lhe dedicou um sermãozinho. Seu ombudsman, no domingo, disse que tanto destaque cheirava a preconceito. Um articulista comentou o caso na ISTOÉ. Cony voltou ao assunto no dia 9/12, terça-feira, para dizer que se espantou mesmo foi com a palavra "chula", encarregada de qualificar a fala presidencial, e contou que, na infância, achava que esse era um dos muitos nomes da genitália feminina...
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Juro que eu não sabia que o país era tão sério! Todo mundo anda pelado a qualquer pretexto, todos/as mostram a intimidade e as partes, os domingos à tarde da TV são quase aulas de anatomia, e o homem não pode falar "sífu". Francamente!
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Sim, sei, ele é o presidente, e existe a tal liturgia do cargo. O que suportamos e achamos normal na boca de uma personagem de Rubem Fonseca ou de Bocage desaprovamos no discurso presidencial. O que achamos normalíssimo nas declarações pedagógicas vespertinas do Faustão fica abominável na boca do presidente. Tudo bem. É claro que há uma distribuição social do palavrão, seja por falantes (homens podem mais que mulheres - ou podiam), seja por contextos (o que se pode dizer em arquibancada não pode em palanque).
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Mas vejamos o episódio um pouco mais de perto. Merece uma pequena avaliação técnica, digamos assim. O curioso é que tenham acusado Lula de empregar um palavrão quando usou uma forma que se destina exatamente a evitar o palavrão. Sim, pois "sífu" não é um palavrão. Estudiosos dos tabus informariam sobre formas como essa exatamente o contrário: que, para não dizer palavras tabu, no caso, um palavrão, as sociedades inventam "derivativos": alteram a forma ofensiva ou perigosa (abreviam, trocam um dos sons etc.).
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Por exemplo, dizemos "diacho" para não dizer "diabo" (sem falar que dizemos "o cujo", "o coisa ruim" etc.), dizemos "orra, meu!" para não dizer "p..., meu!" assim como dizemos "sífu" para não dizer todos sabemos o quê. Tanto sabemos, que a mídia achou que Lula disse o que todos achamos que ele disse, embora não o tenha dito.
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Escrevi alhures que acho essa coisa de cerimonial uma quase bobagem. Para exemplificar, dava meu testemunho de que as únicas coisas que aprovei no presidente Figueiredo foi sua grossura no campo da etiqueta: achei ótimo ele dizer que preferia cheiro de cavalo ao de povo, que achava o leite de soja uma droga, que, se ganhasse salário mínimo, dava um tiro no coco. Grossura? Claro!! Mas você preferiria que ele mentisse?

Fico deveras impressionado com a pudicícia da sociedade brasileira, especialmente da TV Globo!! Mas não é lá que passa, só para dar um exemplo, o BBB? Ou será que Bonner estava se referindo à palavra "diarréia"?

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Sírio Possenti é professor associado do Departamento de Lingüística da Unicamp e autor de Por que (não) ensinar gramática na escola, Os humores da língua e de Os limites do discurso.
FONTE: Portal Terra
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O professor da Unicamp, o renomado lingüista Sírio Possenti, foi tomado por um espírito mosqueteiro solidário para defender o baixo palavreado de Lula. É até bonito ver tanta solidariedade. Estou longe de vender tantos livros como o doutor Sírio Possenti, um verdadeiro portento da Lingüística. Mas, não obstante meu anonimato, me oponho às idéias de seu artigo.

Os que andam pelados “a qualquer pretexto”, mostrando “a intimidade e as partes” devem pensar como o professor Sírio, provavelmente: que não há nada de mais em o presidente da República dizer palavras chulas em cerimônia do Governo, pronunciando-se oficialmente, em evento fartamente divulgado pela mídia. É possível que entre algumas pessoas a atitude de Lula não tenha causado espanto, portanto.

Não se trata, como afirma o professor Sírio, de "preconceito". Aliás, qualquer crítica que se faça a determinados comportamentos, hoje em dia, já é classificada de "preconceito". Esse é um discurso fácil e oportunista. As pessoas, todas, têm direito a ter sua opinião e elaborar seus conceitos. Lula se expôs publicamente, então pode ser criticado também publicamente. Que fique claro: o que o Lula faz entre amigos e em casa, desde que não utilize o que é do povo, é problema dele. Não me interesso muito pelo assunto. Mas, em ocasiões oficiais do Governo Federal ele deve ao povo o proceder de um funcionário público. Os princípios que valem para todos os outros valem para ele. Além disso, o Lula não estava em um churrasquinho de domingo, tomando uma cervejinha, entre os seus: estava a trabalho, remunerado pelo dinheiro público, que ele (mal) administra. Deveria imaginar que, assim como há os Sírios da vida, há os outros, que não acham nem agradável, nem correto, nem educado, nem moralmente defensável um discurso marcado por vocabulário rasteiro. E, convenhamos, o Lula é o presidente do Brasil, e isso quer dizer que ele é o presidente de todos. Inclusive daqueles que se escandalizaram com seu discurso e que têm o direito de se escandalizar.

É verdade que a crítica a alguém que diz palavras de baixo calão, entre os modernos e hodiernos, é mal vista. Como é que se diz? "É preconceito". Afinal, o palavrão é uma legítima manifestação popular da cultura nacional, é a libertação dos oprimidos, o libelo contra o conservadorismo da direita, a voz contra a caretice e o autoritarismo, a simbologia de tudo o que é popular etc. Criticar o linguajar chulo do Lula, então, é “preconceito lingüístico” – eu vejo como democracia e direito de opinião, coisas que andam em baixa no Governo do PT.
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Mas, até que calem os que se opõem, eu critico, sim. E não nivelo por baixo, como faz o prof. Sírio Possenti e tantos outros: “Ah, mas todo mundo fala, não é?” O professor ainda ironiza: não sabia que o país era tão sério, e que as pessoas eram tão pudicas. O país dos sérios pode não ser o mesmo no qual ele vive. Quem sabe. Há os que não andam pelados a qualquer pretexto, e é possível que professor conviva com alguns deles na Universidade. Esses são a maioria. Há os que trabalham e pagam impostos – pagam todos os impostos, inclusive para financiar o salário do funcionário público Lula. Se no domingo à tarde tem gente que vai à TV dançar pelado, isso não é – não é mesmo – justificativa para que o Lula nos mostre a educação canhestra que recebeu da mãe.

Ao contrário do que diz o professor, em seu artigo, é óbvio que o homem pode falar “sifu”. Mas é evidente, também, que eu posso achar lamentável que ele fale, assim como outras pessoas e setores da mídia. Ninguém cala ninguém e travamos, todos, um debate democrático. Certo? Democracia é isso: o Lula pronunciou um discurso que surpreendeu muita gente, foi criticado e, logo depois, foi defendido. Como figura pública, é mais do que esperado e normal que, numa situação como a que ele criou, seja criticado.

Lula ocupa um cargo pelo qual responde a todos os brasileiros. Em seu julgamento, o professor Sírio chega a aplaudir as palavras do presidente da República. Mas nem todos concordam com a largueza moral e a "pequena avaliação técnica" do mestre, que afirma que Lula disse “sifu” para, na verdade, não dizer “sifu”. Apesar dessa não tão evidente "mostra de escrúpulo" por parte de Lula, houve quem achasse ofensivo e indigno que o presidente tenha utilizado esse tipo de vocabulário.

O professor faz até algumas concessões. Diz que sabe que “há uma distribuição social do palavrão, seja por falantes (homens podem mais que mulheres - ou podiam), seja por contextos (o que se pode dizer em arquibancada não pode em palanque)”. Ainda bem. Eu respiro mais aliviada sabendo que ele tem uma idéia do que seja contexto lingüístico e discursivo. Seria duro, para mim, constatar que um professor do curso de Letras da Unicamp não sabe que o programa do Faustão é uma coisa e uma cerimônia pública oficial do Governo Federal é outra. E tudo para quê? Para não dizer que Lula disse besteira. Aliás, Lula desancou mesmo "os que têm uma 'diarréia' de mercado e depois pedem socorro ao Estado", mas não deixou de assinar o cheque. Temos aí duas coisas imorais: o linguajar do presidente e sua relação promíscua com o "mercado".
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Na hora errada e no lugar errado, o presidente da República disse as palavras erradas. Mas, tendo em vista o artigo do professor Sírio Possenti, suponho que se amanhã o presidente mostrar o traseiro na TV ele tampouco ache ruim. Afinal, todo mundo mostra.

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