Caros Amigos [11]

"(..) Tem uma crônica do escritor Luís Fernando Veríssimo que eu adoro, que se chama exatamente 'Segurança'. A história é esta: primeiro, você contrata porteiro eletrônico, depois outra coisa, e vai, e aí você acaba prisioneiro. Então, não dá. O espaço público tem de ser público. A ordem tem que ser mantida para todos, e não para alguns. E aí é a questão central do Brasil. E de outros países. A França, por exemplo, tem problemas seriíssimos de segurança e, embora a situação social seja bem diferente, a mentalidade policial explica algumas coisas. Em 2003 fui fazer uma visita oficial às unidades de ensino policiais francesas e perguntei para os policiais como eles viam tantas pessoas morando nas ruas em Paris. A resposta deixava você de cabelo em pé. Eu disse a um deles: 'Se você não estivesse falando francês, eu teria certeza de que estava no Brasil!' O discurso era exatamente o mesmo de qualquer policial daqui.

Que discurso?

Do tipo: 'Esse bando de jovens negros desocupados, tem mais é que acabar com eles'. Um discurso racista, discriminatório, o papel da polícia é 'manter a negrada longe'. Eu disse lá pra eles: 'Olha, esse filme eu já vi muito. Vocês estão no caminho errado, não vai dar certo'. Pouco tempo depois houve aquela explosão da juventude nas ruas.

Dez mil carros queimados...

Mas por que os carros? Porque na França o carro é o símbolo da ascenção social. A questão é: 10.000 carros queimados, mas ninguém morreu. É aquilo que eu falei sobre a desvalorização da vida no Brasil. Mata-se por nada. (...)"

Ana Paula Miranda, antropóloga, é a diretora-presidente do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Trecho de entrevista concedida a Marcelo Salles e publicada na revista Caros Amigos, ano X, nº 119, fevereiro/2007, p. 40.

Eu, particularmente, lembro-me de Gerô, compositor maranhense negro, espancado até a morte por policiais militares há pouquíssimo tempo. Ninguém preso. Nada foi resolvido. Esse e outros casos, inúmeros, envolvendo majoritariamente policiais militares e alguns civis nos deixam ver o retrato da "polícia", da Justiça, do Estado: impunidade, terror, tortura, corporativismo, incompetência, repressão. Eu, aqui, publicando minha opinião, não sei se mais uma vez também vou ser "contemplada" com o tratamento VIP que a PM dispensa ao povo: porrada.