Nafta e Gatt: de quem é o lucro?
A última empresa de máquinas de escrever dos EUA, a Smith Corona, está se mudando para o México. Há um corredor de maquiladoras [fábricas onde partes faitas em outros lugares são montadas a baixo custo] na fronteira. As pessoas trabalham por cinco dólares/dia, e há níveis incríveis de poluição, lixo tóxico, chumbo na água, etc.
Uma das principais questões enfrentadas pelo país atualmente é o Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade Agreement -- Nafta). Ninguém duvida que o Nafta terá grandes efeitos sobre norte-americanos e mexicanos. Você pode discutir quais seriam esses efeitos, mas ninguém duvida de que serão significativos.
O efeito será provavelmente uma aceleração no que você acaba de descrever -- o fluxo de mão-de-obra produtiva para o México. Lá existe uma ditadura brutal e repressiva; fica garantido, portanto, que os salários serão baixos.
Durante o chamado "milagre econômico do México" da última década, os salários caíram 60%. Líderes sindicais ainda são assassinados. Se a Ford Motor Company quer jogar fora seu operariado e contratar mão-de-obra superbarata, eles simplesmente o fazem. Ninguém os impede. A poluição continua sem controle. É um grande lugar para os investidores.
Poderíamos pensar que o Nafta, que inclui o envio de mão-de-obra produtiva até o México, possa melhorar seus salários reais -- e, quem sabe, até nivelar os dois países. Mas isso é altamente improvável, por dois motivos: a repressão impede que os trabalhadores se organizem em defesa de salários mais altos, e o Nafta irá inundar o México com produtos agrícolas industrializados dos Estados Unidos.
Esses produtos são produzidos com a ajuda de grandes subsídios públicos, e irão prejudicar a agricultura mexicana. O México estará inundado pelas colheitas americanas, o que irá contribuir para forçar um número estimado de 13 milhões de pessoas a se retiraem para regiões urbanas ou para áreas "maquiladoras" -- o que, mais uma vez, forçará os salários para baixo.
É possível que o Nafta seja prejudicial também para o operariado norte-americano. Poderemos perder centenas de milhares de empregos, ou abaixar seus níveis salariais. Trabalhadores latinos ou negros serão os mais atingidos.
Mas será, quase com certeza, uma grande e lucrativa operação para os investidores nos Estados Unidos e seus parceiros nos setores ricos do México. São eles -- aliados às classes profissionais que trabalham para eles -- os que aplaudem o acordo.
O Nafta e o Gatt irão, basicamente, formalizar e institucionalizar as relações entre o Norte [nações prósperas, industrializadas, principalmente do Norte] e o Sul [nações mais pobres, menos industrializadas, principalmente do Sul]?
Esta é a intenção. O Nafta irá também, com quase toda a certeza, degradar os padrões ambientais. As corporações poderão argumentar, por exemplo, que os padrões da Agência de Proteção Ambiental [Environmental Protection Agency -- EPA] violam os acordos de livre comércio. Isso já está acontecendo no lado americano-canadense do acordo. O efeito geral será forçar a vida até seu nível mais baixo, mantendo, ao mesmo, tempo, os lucros altos.
É interessante ver como as pessoas têm lidado com o assunto. Elas não têm a menor idéia do que está acontecendo. Nem podem saber, o Nafta é um segredo -- é um acordo executivo que não está à disposição do público.
Em 1974, o Decreto Comercial (Trade Act) foi aprovado pelo Congresso. Uma de suas medidas foi fazer com que o Comitê Consultivo do Partido Trabalhista (Labor Advisory Committee) -- com base sindical -- tivesse de apresentar informação e análise sobre qualquer assunto relacionado a comércio. É óbvio que aquele comitê teria de fazer um relatório oficial sobre o Nafta, um acordo executivo assinado pelo presidente.
O comitê foi notificado, na metade de agosto de 1992, de que o relatório deveria ser apresentado em 9 de setembro de 1992. No entanto, só receberam um texto sobre o acordo cerca de 24 horas antes da entrega do relatório. Não puderam nem mesmo se reunir; e nem, obviamente, escrever um relatório sério em tempo.
Agora, eles são líderes trabalhistas conservadores, não o tipo de pessoas que costumam criticar muito o governo. Mas escreveram um relatóroio mordaz, dizendo: "Até onde pudemos analisar, nas poucas horas que nos foram dadas, parece que vai ser um desastre para as pessoas que trabalham, para o meio ambiente, para os mexicanos -- e uma grande bênção para os investidores".
O comitê salientou que, embora os defensores do tratado tivessem dito que ele não iria ferir um grande número de trabalhadores norte-americanos -- talvez apenas os trabalhadores não-qualificados -- sua definição de "trabalhador não-qualificado" poderia incluir 70% da mão-de-obra. O comitê salientou também que os direitos de propriedade foram amplamente protegidos, mas que quase não foram mencionados os direitos do trabalhador. O comitê então condenou amargamente o absoluto desrespeito pela democracia demonstrado pelo atraso no fornecimento do texto completo.
Com o Gatt é a mesma coisa -- ninguém, a não ser um especialista, sabe o que está acontecendo. E o Gatt tem alcance ainda maior. Uma das coisas muito reiteradas nesas negociações é o que chamam de "direitos de propriedade intelectual". Isso significa proteção para patentes -- e também para coisas como software, discos, etc. A idéia é garantir que a tecnologia do futuro permaneça nas mãos de corporações multinacionais, para quem o governo mundial trabalha.
As pessoas querem ter certeza, por exemplo, de que a Índia não poderá produzir medicamentos para sua população a um custo 10% menor que os medicamentos produzidos pela Merck Pharmaceutical, que é apoiada e subsidiada pelo governo. A Merck conta muito com a pesquisa dos laboratórios de biologia das universidades (sustentados por fundos públicos) e com vários outros tipos de intervenção governamental.
Trechos de entrevista concedida por Noam Chomsky a David Barsamian e publicada pela Editora da Universidade de Brasília sob a forma de livro, intitulado A minoria próspera e a multidão inquieta. Brasília: EdUnB, 1999, pp. 33-37.
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