Por quem os sinos dobram?
Cláudio Júlio Tognolli (*)
O biólogo de Harvard Richard Lewontin gosta muito de uma frase: o preço da metáfora é a eterna vigilância, costuma disparar. O escritor argentino Jorge Luis Borges, o bruxo da Calle Maipú, referia em uma de suas parábolas que Jesus Cristo era como os gaúchos: gostava de falar por parábolas para não se comprometer com nada ou ninguém. Lulinha paz e amor vai pelo mesmo caminho. É o presidente parabólico.
Eis uma técnica adotada por "n" governantes. Para começar com Álvaro Obregón, que presidiu o México de 1920 a 1924 pelo PRI. Em público, disparava: "Eu roubo menos" – exibindo um dos braços, do qual só tinha um toco.
Nosso espírito de época requer parábolas e reducionismos. Com a Internet, viramos cidadãos em busca das respostas rápidas. Nossas metáforas estão pobres. Nosso discurso está encolhido. Nosso tempo diminuiu. Marshall McLuhan não diria mais hoje: "O meio é a mensagem". Diria: "O e-mail é a mensagem".
Tal encolhimento se evidencia em dados levantados pelo jornalista Rodolfo Konder. Segundo ele, os humanos já falaram 150.000 línguas. Hoje, falam 6.000. A curto prazo, mais 4.000 devem desaparecer. Perdemos uma língua a cada quinze dias.
Onde, perversão dos nossos tempos, menos se acessa a Internet, em regiões como a África, as línguas no entanto ainda se multiplicam. Há na África quase 2.000 línguas e, nas Américas, novecentos pequenos dialetos. Para salvar uma língua, estima-se, precisa-se de investimentos de 200.000 dólares em pelo menos dois anos.
Todd Gitlin, o novo papa da mídia contracultural dos EUA, teve a pachorra de, junto de sua mulher, Laurel, contar o comprimento das frases dos dez romances mais vendidos da lista do The New York Times . De 1936 a 2001, diz, o comprimento da frase declinou em 43 por cento e o número de sinais de pontuação em 32 por cento.
Sabemos agora, mais do que em nenhuma época, por que os nazistas gostavam de queimar livros e por que Goebbels disparava que, toda vez que ouvia falarem cultura, abria o seu coldre. Aumentar a linguagem, o nosso lado simbólico, é aumentar a nossa ressonância moral, ética, emocional. Matar a linguagem é matar a tolerância.
Atalhos facilitários estão aí para criar, na cabeça do populacho, a idéia de que consumir metáforas de baixa octanagem moral é "cuidar da cabeça". Estão aí para dizer que vômitos emocionais, destinados ao mercado de massa, bem como estilizar arrogância místico-mágica, valem sim como passaporte para o mundo da "gente culta". Se não fosse esse fenômeno, Lya Luft não teria virado capa de Veja, justamente quando desceu degraus na qualidade de sua obra, e Paulo Coelho não seria o escritor mais vendido do mundo. Sabemos por quem os sinos dobram: eles dobram por nós.
Texto publicado no Correio Caros Amigos, mídia eletrônica, 144ª Edição (19 de março), em 19/03/2004.
Cláudio Julio Tognolli (*) é jornalista, professor da ECA-USP e autor de A Falácia Genética: a Ideologiado DNA na Imprensa, Editora Escrituras.
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