NOS ÚLTIMOS MESES O SENHOR E A UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UnB, TÊM ESTADO NO OLHO DO FURACÃO COM RELAÇÃO ÀS QUESTÕES RACIAIS E O SISTEMA DE COTAS. AS CRÍTICAS VÊM DE TODOS OS LADOS, PRINCIPALMENTE DOS GRANDES VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO PAÍS. COMO O SENHOR VÊ ISSO?
Os ataques ao sistema de cotas da UnB surgiram desde que começamos a discutir o assunto. Eles se devem por termos sido a primeira universidade federal do Brasil a criar o sistema de ações afirmativas. Hoje são mais de 17 federais e inúmeras em outras instâncias do estado brasileiro, por isso somos os principais alvos dos ataques pelos setores mais conservadores desta nação.
O SENHOR ESPERAVA ESSA REAÇÃO? QUEM SÃO ESSES SETORES?
Esperava uma ou outra reação, mas o que me surpreendeu foi a violência dos ataques que partiram de setores acadêmicos e principalmente dos grandes jornais, de revistas e até da televisão, enfim, setores da mídia brasileira.
O SENHOR FALA EM VIOLÊNCIA, COMO ASSIM?
Falo em violência porque uma coisa é você ser contra ou a favor do sistema de cotas deste ou daquele modo; você pode também ser contra qualquer tipo de ação afirmativa por uma questão de princípio, mas a violência dos ataques mostra um sentimento de hostilidade a qualquer gesto que vise resolver o gravíssimo problema de exclusão dos negros no Brasil.
ESSA VIOLÊNCIA PODE SER INTERPRETADA COMO RACISMO DESSES SETORES?
Acho que essa interpretação tem que ser mais bem estudada e analisada por sociólogos e antropólogos que tentam compreender as origens do conservadorismo brasileiro, mas é interessante que não exista a mesma reação violenta com relação ao encaminhamento a programa de ações afirmativas de outros grupos historicamente discriminados, como mulheres, índios, portadores de necessidades especiais e homossexuais. As questões desses grupos são vistas muitas vezes até com aplausos. Veja a parada gay em São Paulo, foi manchete em vários jornais do país como uma coisa positiva, o que é muito bom, mas quando falamos em abrir as portas de instituições e acesso aos bens públicos mais valiosos, como é o caso da Educação para a população excluída, a reação é brutal, é violenta e isso precisa ser mais bem estudado e compreendido.
ESSES ATAQUES E ESSA VIOLÊNCIA NÃO ESFRIAM OS ÂNIMOS?
A imprensa certamente faz a cabeça das pessoas no Brasil. O poder da mídia é gigantesco, porém neste caso, apesar de simbolicamente a UnB ser a primeira peça do dominó por sua importância estratégica, só temos avançado; exemplo: um mês e pouco depois do último ataque que veio da revista veja [inicial minúscula por iniciativa e convicção da dona deste Blog] no caso dos gêmeos, mais quatro ou cinco universidades federais seguiram o caminho da UnB e adotaram ações afirmativas, ou seja, o pensamento segue mesmo com toda a violência no sentido de nos humilhar como instituição e seus dirigentes. No meu caso, o lado que sentimos que absorveu mais essas críticas foi o Congresso Nacional: existem lá leis muito importantes para expansão das cotas, mas sentimos um certo recuo e um desânimo dos congressistas.
POR FALAR EM REVISTA veja [idem], COMO FOI LIDAR COM AQUELA EXPLOSIVA MATÉRIA DE CAPA DA REVISTA?
O ataque partiu inicialmente da família, que pegou um resultado parcial, foi para a mídia e isso foi um grande alento para as forças conservadoras, mas o fato é que o processo ainda não havia sido concluído, tinha um recurso ainda sendo analisado. O sistema de cotas na UnB existe há três anos e até hoje somente com uma ação na justiça é que fomos parcialmente vencidos, mas que ainda está passiva de recurso. No caso dos gêmeos eles entraram nas cotas como uma aventura: um dizendo ser negro e outro branco. Isso é falsidade ideológica, passivos inclusive de serem processados. O sistema de cotas não é uma loteria; ele existe para dar as mesmas oportunidades para cidadãos que são discriminados pela cor de sua pele ou por origem ancestral escrava, e isso tem que ser levado a sério. A verdade é que nosso sistema de avaliação é muito bem-feito, o que acontece é que algumas pessoas se inscrevem no sistema de cotas por brincadeira e por isso eles ainda estavam sendo avaliados.
PARA ALGUNS INTELECTUAIS, INCLUSIVE NEGROS, A DENOMINAÇÃO "RAÇA" TAMBÉM É RACISTA E CONTRIBUI COM O SISTEMA RACISTA DE EXCLUSÃO. O QUE O SENHOR ACHA DISSO?
Isso é uma tentativa de mudar o eixo da discussão para o plano genético. É de uma desonestidade intelectual brutal, porém ela tem espaço nos campos acadêmicos e precisa ser esclarecida. Quando falamos raça negra no sentido sociológico, não tem nada a ver com a genética, e sim com pessoas sendo discriminadas na sociedade, é racismo! E isso não tem nada a ver com aquele racismo de Hitler que se propagava como uma supremacia de raça. Existe gente mal intencionada que deseja confundir as coisas. Temos que esclarecer a sociedade para essas armadilhas.
O BRASIL RECENTEMENTE FOI MANCHETE DE PRIMEIRA PÁGINA EM VÁRIOS PAÍSES AFRICANOS, PELOS ATAQUES RACISTAS A ESTUDANTES DAQUELE CONTINENTE. EM SUA UNIVERSIDADE, OS ESTUDANTES O ACUSAM DE TER SIDO LENTO NAS APURAÇÕES. O QUE FOI FEITO E CADÊ OS CULPADOS?
É natural o desejo de justiça imediata. É meu desejo também, mas a justiça brasileira é lenta, temos uma investigação em andamento na qual estão a polícia federal e a polícia civil. Neste caso temos duas polícias, porque temos dois crimes: um contra o patrimônio público federal e possivelmente crime de racismo e xenofobismo, já que os ataques se deram somente contra africanos; temos uma investigação também sendo feita pela universidade; houve até coleta de DNA, porém essas investigações são lentas. Estamos trabalhando para punir os rsponsáveis o mais breve possível.
O SENHOR E A UnB FORAM DURAMENTE CRITICADOS QUANDO PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE SE AFASTOU UM PROFESSOR POR PRÁTICAS DISCRIMINATÓRIAS. COMO FOI ISSO?
O professor punido tem muito acesso à mídia. Ele é um cientista político famoso e consultor político, freqüentemente está na mídia, então era natural que ele utilisasse esse espaço para se defender. Nossa universidade não tem tradição de jogarmos ao vento os processos disciplinares e por isso mais uma vez fomos atacados de forma desigual.
NA ÉPOCA FALOU-SE MUITO NA MÍDIA EM "LIBERDADE DE CÁTEDRA" DO PROFESSOR, QUE NÃO FOI RESPEITADO.
O que se discutiu naquele caso foi o direito de cada indivíduo. Você não pode, só porque é professor, ofender ou pisotear na sala de aula seus alunos por serem negros ou pertencerem a qualquer grupo social que não seja o seu. Isso é falta de humanidade e de profissionalismo e foi por isso que o professor foi condenado, porque violou as normas do serviço público. Não censuramos o professor e nehum professor da UnB; cada um aqui tem o direito de ser marxista; de ser de direita ou esquerda, ou seja lá o que for. Só não tem o direito de humilhar nenhum aluno ou grupo social, pois isso é violar as normas do serviço público.
PROVAVELMENTE SUA FAMÍLIA E SEU CÍRCULO DE AMIGOS DEVEM SER TODOS BRANCOS. COMO ELES ASSITEM A SUA LUTA E OS ATAQUES QUE NO SENHOR TEM RECEBIDO POR SER DEFENSOR DE AÇÕES AFIRMATIVAS PARA NEGROS?
Muita gente que não aparece e não se manifesta publicamente são brancos e solidários à minha luta; o sentimento é de que esta luta é uma luta pelos direitos humanos, pela inclusão social. Minha família tem sido inteiramente solidária; há preocupação, sim, pela regularidade com que sou atacado pela mídia, mas se tranqüilizam, pois compreendem que estou trabalhando em algo que é urgente no país: a inclusão social no sentido amplo e irrestrito! Aqueles que são contra qualquer tipo de ação neste sentido, imaginando que um país de paz e tranqüilidade será possível sem esses avanços, estão enganados. O Brasil do jeito que está, com essa exclusão toda, vai explodir a qualquer momento, é só uma questão de tempo. O que esses setores não entendem é que estamos dando uma opção diferente para essa explosão iminente. É nossa missão dar oportunidade para as pessoas que vão assegurar nosso futuro como sociedade, como seres humanos, sem que simplesmente caiamos na barbárie. E minha família e meus amigos entendem isso!
QUAL O MAIOR RISCO QUE O SENHOR VÊ PARA AS AÇÕES AFIRMATIVAS HOJE NO BRASIL?
A injustiça e a desigualdade são tão gigantescas que existe uma pressão muito grande dos movimentos negros para que haja avanços em ritmos acelerados. A resistência na sociedade branca também é muito grande e, quando estamos entre esses dois pólos, aí vem o desafio: como avançar na igualdade de maneira a asegurar continuidade e evitar que em algum momento aconteçam falhas, pois aí o outro lado estará pronto a dizer: "Está vendo, isso está errado", como no caso dos gêmeos. Então, para quem está no meio, é como se estivéssemos caminhando na direção de uma navalha e tivéssemos que fazer de tudo para desviar. Por isso o aconselhamento com o pessoal do movimento negro, o pessoal dos direitos humanos e da academia é vital para não errarmos, mas o risco é sempre iminente.
COMO O SENHOR DESEJA SER AVALIADO DAQUI A 10 OU 20 ANOS?
Desejo que eu e a UnB sejamos avaliados como quem produziu vitórias permanentes para a sociedade brasileira.
NA SUA OPINIÃO, O QUE O PAÍS DEVERIA FAZER PARA ACABAR COM A BRUTAL DESIGUALDADE ENTRE BRANCOS E NEGROS?
Existem várias experiências no mundo, como é o caso da África do Sul e dos estados Unidos, que aplicaram soluções de longo alcance: algumas evidentes, como oferecer escolas de boa qualidade a seus cidadãos e a todos os grupos sociais nas periferias, nas favelas. Em todo lugar, a Educação é um grande emancipador e a qualidade da Educação no Brasil é um instrumento de exclusão, porque ela se distribui de forma totalmente heterogênea. Então os grupos sociais que têm acesso à Educação de boa qualidade levam vantagem diante dos demais; outra forma seria espalhar as ações afirmativas por toda a sociedade. É mais fácil aplicar ações afirmativas no setor privado que no setor público, as empresas têm que assumir esta responsabilidade; elas têm que aplicar no processo seletivo de seus funcionários e diretores, ajudando assim a diminuir e até a acabar a diferença entre negros e brancos no país. Está comprovado que essas ações inclusive aumentam a produtividade e a criatividade.
QUE CONSELHOS O SENHOR DARIA PARA JOVENS ALUNOS COTISTAS QUE EM BREVE SAIRÃO DA UnB E VÃO ENCONTRAR UM MERCADO DE TRABALHO SEM COTAS E PROVAVELMENTE SERÃO QUESTIONADOS POR TEREM SIDO COTISTAS?
O diploma e a formação deles são iguais aos de qualquer aluno aqui na UnB. A diferença foi o acesso que lhes era negado pela discriminação histórica no Brasil. Eles aqui dentro e fora serão distinguidos, não existem nenhuma proteção ou tratamento diferenciado quando eles forem para o mercado de trabalho. Levarão uma grande vantagem : o diploma de uma universidade respeitada em todo o país e isso não será mais um privilégio apenas de uma grande maioria branca.
QUAL O SEU SENTIMENTO DEPOIS DESSES ANOS TODOS DE LUTA?
É o sentimento de ganho e de que a causa dos direitos humanos não se larga. A forma de abordar a metodologia pode variar, mas a cara da universidade neste país mudou e este é um avanço para o Brasil!
Entrevista concedidà à revista Raça ano 11, nº 114, p. 10-12.
3 comentários:
Mayalu,
Parabens pelo seu blog e sua coragem. Sou seu fã. O Brasil precisa de você. Vá em frente!
Timothy
Oi, Tim, que bom que vc veio aqui... Tbém sou sua fã, vc sabe. "O Brasil precisa de você"? Hum, cara, que onda é essa!
Bjos!
P.S. Às vezes vejo cenas de Sete Pacados mas não vejo a Rosane!
Aliás... Muuuuito bom, mesmo, o livro da sua mãe, D. Edith Brock Mulholland... Quanto mais leio mais gosto. Vou postar hoje a história de Castelo Forte. Espero que ela e seu pai estejam bem.
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