Luciano Huck descobre a violência
Luciano Huck só agora, quando poderiam ser seus próprios filhos, descobriu a tragédia dos órfãos brasileiros.
Luciano Huck conta em artigo no jornal que "quase" foi morto num assalto. E então se dá conta, pela primeira vez, com o que acontece quando um homem, pai de família, é morto precocemente pela violência, e cita a mais trágica das consequências: "não ver os seus filhos crescerem". Estranho que o Luciano só agora resolva se manifestar sobre uma tragédia que se abate sobre milhares de outros filhos de brasileiros que perdem suas vidas nos morros, nas periferias, nas prisões, todos os dias no Brasil. E nem portavam um relógio Rolex como o apresentador. Morrem, assim, à toa, porque são pobres, negros, simplesmente sucata humana. Num ponto, o autor está certíssimo: sua morte sairia no Jornal Nacional e mobilizaria, durante umas boas semanas, a imprensa, a polícia, a sociedade através de seus grupos de movimentos para a paz. E, certamente, seus assassinos seriam encontrados rapidinho, apresentados à imprensa e condenados pela justiça sempre tão cega, surda e lenta quando as vítimas são "gentalha", como diz dona Florinda, no seriado Chaves.Transcrevo a opinião de MAURO ALVES DA SILVA*, sobre o patético artigo do apresentador da Globo, Luciano Huck, publicado na Folha de São Paulo (01/10/07) com o título "Pensamentos quase póstumos" (transcrito abaixo):
"Somos solidários a todas as vítimas da violência. Mas não podemos deixar de registrar nossa indignação quando uma personalidade pública faz apologia à violência e à tortura. No artigo 'Pensamentos quase póstumos', o apresentador Luciano Huck pergunta: 'Onde está a polícia'? Onde está a 'Elite da Tropa'? Quem sabe até a 'Tropa de Elite'! 'Chamem o comandante Nascimento!'.
Ora, tanto o livro quanto o filme (ficção em forma de documentário) mostram uma polícia brasileira corrupta, torturadora e assassina. Mas, como todo grupo de fanáticos, que se dizem iluminados pela divindade, eles escolheram um lado: proteger a 'elite econômica', os 'mauricinhos' e as 'patricinhas' que financiam o tráfico de drogas.
Para os outros (pobres, os pretos, as prostitutas, os 'di menor', os favelados etc.), justamente aqueles que não têm direito à infância e à educação, a elite econômica apóia uma 'tropa de fanáticos' para jogar nossa juventude na Febem, na cadeia ou na vala comum dos cemitérios públicos."
Ora, tanto o livro quanto o filme (ficção em forma de documentário) mostram uma polícia brasileira corrupta, torturadora e assassina. Mas, como todo grupo de fanáticos, que se dizem iluminados pela divindade, eles escolheram um lado: proteger a 'elite econômica', os 'mauricinhos' e as 'patricinhas' que financiam o tráfico de drogas.
Para os outros (pobres, os pretos, as prostitutas, os 'di menor', os favelados etc.), justamente aqueles que não têm direito à infância e à educação, a elite econômica apóia uma 'tropa de fanáticos' para jogar nossa juventude na Febem, na cadeia ou na vala comum dos cemitérios públicos."
* Presidente do Grêmio SER Sudeste - Promoção da Cidadania e Defesa do Consumidor (São Paulo, SP)
Pensamentos quase póstumos
Luciano Huck
Pago todos os impostos. E, como resultado, depois do cafezinho, em vez de balas de caramelo, quase recebo balas de chumbo na testa. LUCIANO HUCK foi assassinado. Manchete do 'Jornal Nacional' de ontem. E eu, algumas páginas à frente neste diário, provavelmente no caderno policial. E, quem sabe, uma homenagem póstuma no caderno de cultura. Não veria meu segundo filho. Deixaria órfã uma inocente criança. Uma jovem viúva. Uma família destroçada. Uma multidão bastante triste. Um governador envergonhado. Um presidente em silêncio. Por quê? Por causa de um relógio. Como brasileiro, tenho até pena dos dois pobres coitados montados naquela moto com um par de capacetes velhos e um 38 bem carregado. Provavelmente não tiveram infância e educação, muito menos oportunidades. O que não justifica ficar tentando matar as pessoas em plena luz do dia. O lugar deles é na cadeia. Agora, como cidadão paulistano, fico revoltado. Juro que pago todos os meus impostos, uma fortuna. E, como resultado, depois do cafezinho, em vez de balas de caramelo, quase recebo balas de chumbo na testa. Adoro São Paulo. É a minha cidade. Nasci aqui. As minhas raízes estão aqui. Defendo esta cidade. Mas a situação está ficando indefensável. Passei um dia na cidade nesta semana - moro no Rio por motivos profissionais - e três assaltos passaram por mim. Meu irmão, uma funcionária e eu. Foi-se um relógio que acabara de ganhar da minha esposa em comemoração ao meu aniversário. Todos nos Jardins, com assaltantes armados, de motos e revólveres. Onde está a polícia? Onde está a 'Elite da Tropa'? Quem sabe até a 'Tropa de Elite'! Chamem o comandante Nascimento! Está na hora de discutirmos segurança pública de verdade. Tenho certeza de que esse tipo de assalto ao transeunte, ao motorista, não leva mais do que 30 dias para ser extinto. Dois ladrões a bordo de uma moto, com uma coleção de relógios e pertences alheios na mochila e um par de armas de fogo não se teletransportam da rua Renato Paes de Barros para o infinito.Passo o dia pensando em como deixar as pessoas mais felizes e como tentar fazer este país mais bacana. TV diverte e a ONG que presido tem um trabalho sério e eficiente em sua missão. Meu prazer passa pelo bem-estar coletivo, não tenho dúvidas disso. Confesso que já andei de carro blindado, mas aboli. Por filosofia. Concluí que não era isso que queria para a minha cidade. Não queria assumir que estávamos vivendo em Bogotá. Errei na mosca. Bogotá melhorou muito. E nós? Bem, nós estamos chafurdados na violência urbana e não vejo perspectiva de sairmos do atoleiro. Escrevo este texto não para colocar a revolta de alguém que perdeu o rolex, mas a indignação de alguém que de alguma forma dirigiu sua vida e sua energia para ajudar a construir um cenário mais maduro, mais profissional, mais equilibrado e justo e concluir - com um 38 na testa - que o país está em diversas frentes caminhando nessa direção, mas, de outro lado, continua mergulhado em problemas quase 'infantis' para uma sociedade moderna e justa. De um lado, a pujança do Brasil. Mas, do outro, crianças sendo assassinadas a golpes de estilete na periferia, assaltos a mão armada sendo executados em série nos bairros ricos, corruptos notórios e comprovados mantendo-se no governo. Nem Bogotá é mais aqui. Onde estão os projetos? Onde estão as políticas públicas de segurança? Onde está a polícia? Quem compra as centenas de relógios roubados? Onde vende? Não acredito que a polícia não saiba. Finge não saber.Alguém consegue explicar um assassino condenado que passa final de semana em casa!? Qual é a lógica disso? Ou um par de 'extraterrestres' fortemente armado desfilando pelos bairros nobres de São Paulo? Estou à procura de um salvador da pátria. Pensei que poderia ser o Mano Brown, mas, no 'Roda Vida' da última segunda-feira, descobri que ele não é nem quer ser o tal. Pensei no comandante Nascimento, mas descobri que, na verdade, 'Tropa de Elite' é uma obra de ficção e que aquele na tela é o Wagner Moura, o Olavo da novela. Pensei no presidente, mas não sei no que ele está pensando. Enfim, pensei, pensei, pensei. Enquanto isso, João Dória Jr. grita: 'Cansei'. O Lobão canta: 'Peidei'. Pensando, cansado ou peidando, hoje posso dizer que sou parte das estatísticas da violência em São Paulo. E, se você ainda não tem um assalto para chamar de seu, não se preocupe: a sua hora vai chegar. Desculpem o desabafo, mas, hoje amanheci um cidadão envergonhado de ser paulistano, um brasileiro humilhado por um calibre 38 e um homem que correu o risco de não ver os seus filhos crescerem por causa de um relógio. Isso não está certo.
LUCIANO HUCK, 36, apresentador de TV, comanda o programa 'Caldeirão do Huck', na TV Globo. É diretor-presidente do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias.
FONTE: Blog Jornal Recomeço, de Glória Reis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário