Freud explica! Explica?
Afinal, é o Brasil que pauta a mídia ou é a mídia que passou a pautar o Brasil? Liberdade ou libertinagem de imprensa? A democracia deve ser preservada para o bem de todos ou deve ser tutelada para o bem de alguns? A liberdade de expressão vale para todo e qualquer cidadão ou apenas para aqueles que têm colunas e editoriais jornalísticos e televisivos? Vale para os movimentos sociais ou vale apenas para os lobbies da direita golpista? Confundir conscientemente verdades e mentiras não será um perigoso jogo antidemocrático? Condenar sem provas, uma atitude irresponsável? Opinião pública é apenas a opinião da classe média cansada ou é a opinião da maioria dos cidadãos?
Não sou psicólogo, nunca tive a intenção de ser, nem tenho conhecimentos que me habilitem a fazer análises da conjuntura política brasileira – se for o caso - sob esse prisma. Contudo, pertenço ao rol daqueles 170 milhões de brasileiros que entendem de tudo e não entendem de nada ao mesmo tempo. Desse Brasil pós-moderno e neoliberal. Nesse aspecto, sim, considero-me capacitado a dar opinião, como qualquer cidadão a falar sobre a seleção de futebol, sobre política ou sobre o Lalau e o Paulo Maluf.
Mas, voltando à psicologia. Já é famosa e gasta entre nós a expressão “Freud explica!”. A expressão, usada ad nauseam significa que a preocupação excessiva – individual ou coletiva – sobre determinada questão, sobre determinado assunto, pode significar, grosso modo, que a pessoa ou o grupo de pessoas preocupadas age, no seu inconsciente, de maneira diferente (e até mesmo oposta) àquilo que dá origem à sua preocupação. Em outras palavras: se eu não consigo alcançar as uvas maduras e fresquinhas de uma parreira, eu posso dizer que elas ainda estão verdes. Ou, se a namorada do meu vizinho é mais bonita do que a minha, eu sempre poderei dizer, “é... mas em mulher a beleza não é tudo”.
E já que estamos no terreno do popular – essa condição social da qual Jorge Bornhausen e FHC e seus partidários têm tanto horror, existem também alguns ditados muito apropriados para explicar o inconsciente de um indivíduo, de uma coletividade ou de uma corporação. Ditados como “é o porco falando do toucinho” ou “o roto falando do rasgado”, que demonstram a falta de critérios ou de autoconhecimento na avaliação de uma determinada questão, em particular quando queremos imputar aos outros aquilo que muitas vezes fazemos às escondidas. Tomemos a ética como exemplo, esse conceito filosófico que estuda o comportamento humano sob a ótica do que é certo ou errado ou do bem e do mal. De repente, a imprensa brasileira descobriu a ética, alguns velhos políticos brasileiros descobriram a ética. Alguns filósofos, profissionais do assunto, trataram de deitar falação sob os holofotes da mídia, deleitando-nos a nós pobres mortais e ignorantes das questões de honestidade, justiça e democracia, com sua sapiência sobre a ética e o comportamento exemplar que cada cidadão deve ter perante a sociedade, numa generalização mais ao gosto dos livros de auto-ajuda e dos programas de culinária do que propriamente à luz da ciência social.
E agora juntemos os ingredientes e formulemos a seguinte questão: por que só agora a mídia, setores da oposição como DEM e PSDB, alguns e pequenos setores da chamada elite econômica (alguns se querem até intelectuais) resolveram que o Brasil passa por uma crise de ética? Não leram esses senhores sobre a formação histórica do Brasil? Desconhecem as capitanias hereditárias e o sistema de heranças e transmissão de terras? Ignoram a escravidão e suas seqüelas entre a população negra e mulata no Brasil? Não somos todos herdeiros de um sistema político clientelista e apodrecido, cuja compra de votos foi sempre a regra e não a exceção, inclusive para o estabelecimento da reeleição em proveito próprio, como fez Fernando Henrique Cardoso e seu incorruptível escudeiro Sérgio Mota?
Ah, quanta hipocrisia! Como o papel em branco e o microfone e a câmera de TV, ligados, aceitam tudo, nada mais fácil hoje em dia para os que detêm o poder da informação em levantar calúnias e mentiras contra seus adversários, mesmo que existam aqui e ali alguns deslizes praticados pelos acusados, mas que os próprios acusadores já cometeram algum dia (alguns até mais graves do que os anunciados). E falam todos de boca cheia contra a grande crise de ética no país em defesa da democracia e da liberdade de imprensa, como nunca se viu antes! E a entrega da Vale do Rio Doce a preço de banana? E a CPI Abril - TVA? E a CPI do Banestado? E as concorrências públicas no Estado de São Paulo, esse ninho de tucanos acima de qualquer suspeita? E as bonecas do “Cansei”?
Perdoem-me o inevitável e surrado lugar comum: Freud explica!
Izaías Almada é escritor e dramaturgo. Autor, entre outros, do livro TEATRO DE ARENA: uma estética de resistência, Ed. Boitempo.
Recebi este texto por e-mail, do Correio Caros Amigos -- Informativo Caros Amigos nº 308, de 26/09/2007, hoje, dia 1º/10/2007 (correio@carosamigos.com.br).
Izaías Almada é escritor e dramaturgo. Autor, entre outros, do livro TEATRO DE ARENA: uma estética de resistência, Ed. Boitempo.
Recebi este texto por e-mail, do Correio Caros Amigos -- Informativo Caros Amigos nº 308, de 26/09/2007, hoje, dia 1º/10/2007 (correio@carosamigos.com.br).
NOTA: Muito bom e acertado, o texto... Mas... Se esquece ele de que tudo isso vem se acumulando, também, na memória e na paciência do povo... Se esquece ele de que os pecados do Marquês de Pombal não justificam os de José Dirceu... E mais uma coisa: Não me venha, ninguém, com essa história de que "todos pecaram... então não tem nada, não!" Porque elegemos o Lula na (tremenda, enorme, aguda) esperança de que a maioria dessas sacanagens que ele cita aí acabassem. E NÃO FOI O QUE ACONTECEU! Putz!
P.S. Perdão, aos puristas, pela próclise em início de frase! Eu também sou uma pecadora! Mas quem me ensinou isso foram os Modernistas...
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