Creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais viril e de mais perfeito do que o Cristo; e eu digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e não pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se acha n'Ele, prefiro ficar com o Cristo a ficar com a verdade. (Dostoievski)

FAÇA COMO EU: VISITE O BLOG DELES, E SIGA-OS TAMBÉM! :)

11 de dez. de 2007

ESCUTA!

ESCUTA, ZÉ NINGUÉM!

“(...) Esta é a hora primeira de um futuro maior, do fim de toda a forma de mediocridade. Porque entretanto o modo como age a peste emocional se foi tornando demasiado óbvio. Acusa a Polônia das intenções de agressão militar, depois de tomada a decisão de agredir a Polônia. Acusa o rival da intenção do crime depois de decidir eliminá-lo. Acusa de pornografia a vida sexual sã, porque tem em mente intenções pornográficas. Já te topamos, Zé Ninguém; vais-te tornando transparente sob tua fachada de desgraça a submissão. O que te é pedido é que determines o rumo do mundo com o teu trabalho e a tua realização — substituir uma forma de tirania por outra é que nunca. O que se te exige é que te submetas às leis da vida tal como quererias que os outros fizessem; que te modifiques à medida que os vais criticando. Cada vez é mais óbvia a tua tagarelice, a tua avidez, a tua irresponsabilidade — o mal de ti que conspurca toda a beleza da Terra. Sei que não te agrada o que ouves, que preferes berrar “Viva!”, que és bem capaz de parir o futuro do proletariado do IV Reich. Mas não é menor a minha convicção de que as coisas te vão sendo mais difíceis hoje que no passado — embora sejas ainda brutal sob a tua máscara de sociabilidade e gentileza, Zé Ninguém. Não acreditas? Deixe então que te refresque a memória:
Lembras-te da magnífica tarde em que vieste, como lenhador que eras, pedir trabalho à minha cabana na montanha? Depois de farejar-te, o meu cachorro saltou-te aos joelhos. Viste que era cão de boa raça e disseste então: “Devia amarrá-lo para se fazer bravo. O cão é manso demais.” Ao que te respondi: “Eu não quero ter uma fera amarrada com correntes. Não gosto de cães raivosos.” Ah, lenhador, tenho bem mais inimigos do que tu, mas continuo a preferir o meu majestoso cão, meigo com toda gente.
Lembras-te do domingo chuvoso em que a angústia perante o fenômeno da tua rigidez biológica me levou a sair de casa, largando o trabalho, para me enfiar num dos teus bares? Sentei-me a uma mesa e pedi um uísque (não, Zé Ninguém, não sou alcoólico, embora goste de beber de vez em quando). Ia, pois, bebendo o meu copo quando te ouvi, no teu paleio de recém-desmobilizado, descrever os Japoneses como “macacos horrendos”. E foi então que afirmaste, com a expressão facial que eu tão bem conheço do meu trabalho terapêutico: “Vocês sabem o que a malta devia fazer com os Japoneses da costa ocidental? Estrangulá-los todos, um por um, mas devagar, lentamente, apertar-lhes o garrote a pouco e pouco, assim...”, e ias fazendo o gesto com as mãos, Zé Ninguém. O criado apoiava-te, fazia que sim em admiração perante a tua heróica masculinidade. Já alguma vez tiveste um bebê recém-nascido nos braços, patriota de m...? Durante muitas décadas continuarás ainda a estrangular espiões japoneses, aviadores americanos, camponeses russos, oficiais alemães, anarquistas ingleses e comunistas gregos — hás-de fuzila-los, condená-los à cadeira elétrica, às câmaras de gás —, o que em nada irá alterar a tua prisão de ventre generalizada, a tua incapacidade de amar, o teu reumatismo ou a tua doença mental. Não serão os crimes que possas cometer que irão arrancar-te do lameiro. Olha para ti, Zé Ninguém. É a tua única esperança.
(...) A única coisa capaz de conquistar-te será o teu sentido de pureza, a tua aspiração à verdadeira vida — e quanto a isso, não tenho a menor dúvida. Uma vez superada a tua mediocridade e mesquinhez, começarás a pensar — de início, sem dúvida, errática, ridícula e erroneamente, mas pensarás com seriedade. Terás de aprender a superar a dor que todo esforço de pensamento comporta em si mesmo, tal como eu e outros suportamos a pena de pensar-te — durante anos, em silêncio, de dentes cerrados. Esta nossa dor far-te-á pensar. E quando começares a fazê-lo sentirás a magnitude do absurdo dos teus quatro milênios de “civilização”. Ser-te-á difícil entender como foi possível que os teus jornais nada mais tivessem a relatar e comentar que paradas sem sentido, condecorações, crimes, enforcamentos, diplomacias, calúnias, mobilizações, pactos, bombardeamentos — e que não tenhas nunca reagido com agressividade ou te tenhas sequer apercebido do perigo que corrias. Talvez te houvesse sido possível entenderes-te a ti próprio se não tivesses engolido bovinamente tudo o que te caía nas mãos. Mas o que deveras te será difícil é a verificação do fato de que tudo foste macaqueando e papagueando através dos séculos; o fato de que o que no teu íntimo acharas certo o era realmente, e que tomaste por patrióticos os teus erros. Terás vergonha do que fizeste, e nisso reside a única esperança de que os nossos bisnetos não venham a ser obrigados a ler a tua história militar. E não mais será possível a montagem duma grande revolução apenas para por em cena um novo “Pedro, o Grande”. (...).
(...) Quererás agora ouvir-me?
“Vamos a isso, porque é que eu não hei-de dar ouvidos a mais uma utopiazinha? Não há nada a fazer, meu caro doutor — sou e continuarei a ser um pobre diabo, o homem da rua, que não tem opinião própria. Aliás, quem sou eu para...”
Ouve. Escondes-te detrás da lenda do Zé Ninguém, porque tens medo de mergulhar e de ter de nadar no grande rio da vida, quanto mais não seja em nome dos teus filhos. A primeira de todas as coisas que não mais farás será consentir na percepção de ti próprio como sujeito insignificante e sem opinião, que afirma a todo momento “mas quem sou eu...”. Tu tens a tua opinião própria e no futuro que prevejo passarás a considerar como vergonha não a conheceres, não a defenderes, não a expressares.

***

Wilhelm Reich
Escuta, Zé Ninguém!
Livraria Martins Fontes Editora Ltda.
Portugal, abril de 1982; primeira edição: maio de 1972.
Trechos retirados das páginas 91, 92, 97, 98, 100 e 101.
.
NOTA: Já postei este trecho desse verdadeiro desabafo de Reich. Como gosto MUITO do que ele diz, aqui vai, de novo... Quem tem olhos para ler...

Nenhum comentário:

Marcadores

Comportamento (719) Mídia (678) Web (660) Imagem (642) Brasil (610) Política (501) Reflexão (465) Fotografia (414) Definições (366) Ninguém Merece (362) Polêmica (346) Humor (343) link (324) Literatura (289) Cristianismo (283) Maya (283) Sublime (281) Internacional (276) Blog (253) Religião (214) Estupidez (213) Português (213) Sociedade (197) Arte (196) La vérité est ailleurs (191) Mundo Gospel (181) Pseudodemocracia (177) Língua (176) Imbecilidade (175) Artigo (172) Cotidiano (165) Educação (159) Universidade (157) Opinião (154) Poesia (146) Vídeo (144) Crime (136) Maranhão (124) Livro (123) Vida (121) Ideologia (117) Serviço (117) Ex-piritual (114) Cultura (108) Confessionário (104) Capitalismo (103) (in)Utilidade pública (101) Frases (100) Música (96) História (93) Crianças (88) Amor (84) Lingüística (82) Nojento (82) Justiça (80) Mulher (77) Blábláblá (73) Contentamento (73) Ciência (72) Memória (71) Francês (68) Terça parte (68) Izquerda (66) Eventos (63) Inglês (61) Reportagem (55) Prosa (54) Calendário (51) Geléia Geral (51) Idéias (51) Letras (51) Palavra (50) Leitura (49) Lugares (46) Orkut (46) BsB (44) Pessoas (43) Filosofia (42) Amizade (37) Aula (37) Homens (36) Ecologia (35) Espanhol (35) Cinema (33) Quarta internacional (32) Mudernidade (31) Gospel (30) Semiótica e Semiologia (30) Uema (30) Censura (29) Dies Dominicus (27) Miséria (27) Metalinguagem (26) TV (26) Quadrinhos (25) Sexo (25) Silêncio (24) Tradução (24) Cesta Santa (23) Gente (22) Saúde (22) Viagens (22) Nossa Linda Juventude (21) Saudade (21) Psicologia (18) Superação (18) Palestra (17) Crônica (16) Gracinha (15) Bizarro (14) Casamento (14) Psicanálise (13) Santa Casa de Misericórdia Franciscana (13) Carta (12) Italiano (12) Micos (12) Socialismo (11) Comunismo (10) Maternidade (10) Lêndias da Internet (9) Mimesis (9) Receita (9) Q.I. (8) Retrô (8) Teatro (7) Dããã... (6) Flamengo (6) Internacional Memória (6) Alemão (5) Latim (5) Líbano (5) Tecnologia (5) Caninos (4) Chocolate (4) Eqüinos (3) Reaça (3) Solidão (3) TPM (2) Pregui (1)

Arquivo