Creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais viril e de mais perfeito do que o Cristo; e eu digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e não pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se acha n'Ele, prefiro ficar com o Cristo a ficar com a verdade. (Dostoievski)

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3 de mai. de 2008

segunda opinião

Independentemente da questão moral, eu me pergunto por que se libera o álcool e o cigarro, comprovadamente danosos ao organismo, e se proíbe a maconha. Ou por que não se proíbem o álcool e o cigarro. É preciso que esta discussão seja aberta.

Recebi as informações abaixo do J.-P. Bucher.


***

Sent: Saturday, May 03, 2008 11:11 AM
Subject: VISÃO HISTÓRICA E ANTROPOLÓGICA DAS DROGAS (Richard Bucher)

Segue abaixo e em anexo um texto escrito pelo meu pai (VISÃO HISTÓRICA E ANTROPOLÓGICA DAS DROGAS) na década de 80 sobre as drogas. Embora o texto esteja atualmente desatualizado, foi considerado muito 'avançado' para a época. No início da década de 80 alguns alunos da psicologia da UnB também promoveram um debate na universidade sobre a maconha, mas os estudantes foram criminalizados. Meu pai os apoiou. Quem tiver alguma reportagem na época sobre esse ocorrido me avise :)
Desde já, como herdeiro de suas obras acadêmicas autorizo os organizadores da marcha e do site pela marcha a colocarem o seu texto no site sobre a marcha, ressaltando que foi escrito na década de 80. Estarei na marcha lutando contra a hipocrisia e representando meu pai. Até a marcha,
Jacques Philippe Bucher
(ex-professor de Fisiologia Vegetal do Departamento de Botânica IB/UnB 2006-2007)

VISÃO HISTÓRICA E ANTROPOLÓGICA DAS DROGAS

Richard Bucher (in memorian)

Objetivos

1. Identificar funções sociais implícitas no uso de drogas.

2. Exemplificar como cada função se manifesta em diferentes culturas.

3. Justificar sua postura pessoal diante de situações especificadas de uso de drogas.

Resumo

Nesta unidade, discute-se a presença de drogas na história da humanidade. Ressalta-se que toda sociedade é consumidora de drogas; o seu cultivo, sua divulgação e seu consumo representam, pois, um fenômeno cultural. Três funções sociais desse consumo se destacam: superar a angústia existencial, entrar em contato com forças sobrenaturais, obter prazer. Esses três objetivos são atingidos de maneira integrada ou, pelo contrário, de maneira marginalizante. A relatividade cultural da presença de drogas em uma determinada sociedade é notável, o que é demonstrado através de uma série de exemplos. Para entender o seu alcance, discute-se a evolução histórica de uma sociedade, seus modos de se organizar e de se representar, bem como incidências antropológicas, políticas, religiosas e psicológicas da presença de drogas. Somente dentro desse complexo torna-se possível apreender a significação desse consumo, com a referência não apenas ao produto, mas também às motivações das pessoas e ao contexto sócio-cultural no sentido mais amplo.

I - ASPECTOS GERAIS

As drogas na sociedade

Ao percorrermos a história da civilização, encontramos a presença de drogas, desde os primórdios da humanidade, inseridas nos mais diversos contextos: social, econômico, medicinal, religioso, ritual, cultural, psicológico, estético, climatológico e mesmo militar. O consumo de drogas deve, portanto, ser considerado como um fenômeno, especificamente humano, isto é, um fenômeno cultural: não há sociedade que não tenha as suas drogas, recorrendo a seu uso para finalidades diferentes, em conformidade com o campo de atividades no qual se insere. Alguns autores opinam mesmo que a história do homem é aquela das drogas que consome.

Como denominador comum desse uso, pode-se designar a provação deliberada de uma alteração dos estados de consciência, procurar de experiências inéditas que, globalmente, são experiências de prazer. É evidente, no entanto, que, historicamente, o uso de drogas não se reduz a uma simples procura de prazer; encarar o fenômeno dessa forma significa simplificar demasiadamente a sua complexidade e o grande número de funções que preenche nas diversas dimensões da existência.

Os sentidos do seu uso

Pode-se distinguir três funções gerais, atribuídas alternativa ou simultaneamente à ingestão de drogas, em contextos sociais que viriam segundo a organização e as crenças de uma determinada sociedade. Em primeiro lugar, a droga permite escapar à consciência de transitoriedade da existência e a angústia que isto provoca (a célebre “angústia existencial” dos filósofos existencialistas). Ela pode, portanto, ser usada como meio para “esquecer” a nossa transitoriedade e mortalidade, pelo menos temporariamente. De fato, essa função tranqüilizadora e ansiolítica é muito antiga, embora especialmente presente – e devidamente comercializada – nos tempos de hoje, sob forma de uma ampla gama de medicamentos psicotrópicos. Se hoje em dia esse uso se processa de maneira bastante indiscriminada, não quer dizer que esse recurso seja uma invenção dos tempos modernos; em tempos mais remotos, ele já foi devidamente utilizado embora sob formas socialmente mais integradas, compartilhadas com a comunidade como um todo. Pode-se até levantar a hipótese de os ansiolíticos modernos serem tão divulgados em conseqüência da perda do espírito comunitário e do aumento do anonimato e da solidão na sociedade tecnológica.

Uma segunda função, intimamente acoplada com a primeira, diz respeito a certas procuras de transcendência, a saber, a pretensão de entrar, em contato com forças sobrenaturais. Esse sentido, diretamente religioso, vincula-se com a tentativa de se alargar os limites existenciais, à procura de elementos espirituais ou divinos capazes não somente de aplacar a angústia do homem, mas também de assegurar-lhe sobrevivência além da morte que biologicamente lhe é determinada.

Lançando mão de substâncias entorpecentes, o homem consegue preencher uma “falta”, decorrente das suas limitações e explorar seus limites através de experiências místicas, individuais ou coletivas, miciáticas ou profissionais, rumo aquele “além” que detém configurações religiosas e ideológicas diversas, mas que se enraíza nas intenções milenares do homem de se transcender. Determinadas drogas facilitam tais experiências, aproximam esse “além”, desanuviam as angústias terrestres e transformam os demônios imaginários em divindades benevolentes, cujo amparo vem suprir o desamparo humano.

Uma terceira função – a mais conhecida – que cabe às drogas, diz respeito a busca de prazer. Essa função, sem dúvida, domina na toxicomania moderna, onde ela opera desconectada das duas outras, mas é tão antiga quanto as outras, e se vincula com elas em muitas práticas e religiões antigas. Basta lembrar os cultos dionisíacos, por exemplo. De fato, a segregação entre as esferas sagradas e prazerosas é relativamente recente, fruto de uma concepção axiológica e maniqueísta do homem (e da natureza) que muito tem a ver com a evolução do cristianismo e de sua noção de “pecado”.

Não obstante, existem até hoje associações entre o prazeroso e certas dimensões sagradas, em particular quando a própria transgressão de certos tabus que se torna um ritual socialmente admitido. Isto se manifesta claramente no carnaval, onde, como se sabe, as drogas têm uma função importante, tanto, estimuladora quanto desinibidora, frente a uma festividade pagã antropologicamente sagrada, mas que transgride as convenções sociais do resto do ano.

As alterações do estado de consciência e da busca de prazer, felicidade e beleza

Os três sentidos do uso de drogas que aqui destacamos se combinam de diversas maneiras para alcançar as alterações desejadas do estado de consciência. Estas atingem em particular três registros, com ressalta H. Nowlis (Unesco, 1982):

As substâncias que causam a maior preocupação atualmente são as que agem essencialmente sobre o sistema nervoso central (SNC). Uma das importantes propriedades farmacológicas dessas substâncias é que elas facilitam uma modificação das sensações, do humor ou da percepção. O homem sempre procurou modificar as suas percepções, assim como a orientação com relação a si mesmo e com relação a seu meio, e provavelmente vai continuar a fazê-lo. A utilização de substâncias psicotrópicas é apenas uma das inúmeras maneiras de atingir esse objetivo; mas ela sempre esteve presente através da história e no mundo inteiro.

Ora, os três registros das sensações, do humor e da percepção se vinculam com dimensões essenciais de existência, dimensões estas que nenhum ser humano está disposto a menosprezar: o prazer, a felicidade e a beleza. Sentir-se feliz em contatos prazerosos com coisas bonitas não é somente de alta relevância, ligado que está a uma procura constante e um bem-estar, mas deve se considerar como um direito humano.

Qualquer pessoa, pois, tem direito de reivindicar acesso a essas três dimensões. Recorrendo-se a drogas é possível propiciar-se um acesso mais direto a tais dimensões, o que muitas populações antigas encenam mediante celebrações ritualísticas. Aí a droga faz parte de um contexto cultural estruturado (e estruturante para seus membros). Ela se insere intencionalmente em projetos sociais cujas normas são transmitidas de geração a geração. No interior de uma determinada cultura, tais rituais (e as drogas nele usadas) se tornam, portanto, totalmente lícitos, exercendo uma função integradora e, muitas vezes, apaziguadoras, seja a nível de procedimentos iniciáticos, seja a nível de cultos que celebram, identificações dionisíacas com esferas ou entidades sagradas.

Efeitos esperados

Quanto aos efeitos farmacológicos provocados pelas drogas no organismo e no comportamento, eles foram almejados desde o início da humanidade por uma séria de razões. Voltamos a citar Nowlis H.(1982):

Procura-se, com emprego de substâncias psicotrópicas, cinco efeitos farmacológicos principais: 1º) aliviar a dor: nesse caso, os opiácios continuam a ser as substâncias preferidas; 2º) tentar reduzir uma atividade ou uma sensação que atinge um nível desagradável ou indesejável, como a ansiedade o nervosismo, a insônia, a hiperestimulação. Qualquer depressor do sistema nervoso central pode desempenhar esse papel; 3º) tentar aumentar o nível de atividade e sensação de energia e de potência, ou reduzir a sensação de cansaço, de depressão, de sonolência. Os estimulantes do SNC (cafeína, anfetaminas, cocaína etc.) são amplamente empregados para essa finalidade. É interessante observar que, na maioria dos casos, as receitas medicas visam uma dessas três finalidades; 4º) tentar obter modificações no modo habitual de percepção do indivíduo frente ao seu próprio meio físico e social, isto é, explorar sair de si mesmo, obter novas intuições, aumentar sua criatividade, aumentar a intensidade das experiências sensoriais e estáticas e o prazer que delas tira o indivíduo; 5º) tentar atingir diversos graus de embriagues, de atordoamento, de euforia, sensações de estar flutuando ou de vertigem. O álcool, os barbitúricos, o haxixe, a maconha, os inalantes e solventes são as substâncias mais utilizadas.

Como se percebe, os efeitos das drogas no SNC são diversos, dependendo da substância química empregada, mas também dos modos de uso, do contexto e das intenções do usuário. Para todos os efeitos enumerados, encontramos exemplos já na antiguidade.

O que mudou nos tempos modernos refere-se a duas características: a fabricação de substâncias sintéticas (em particular medicamentos) e a introdução, através de certas convenções sociais e jurídicas, da distinção entre drogas legais e ilegais.

Relatividade cultural

Esta última característica, diferente de uma sociedade para outra, tentar regulamentar o uso de drogas quando percebido como perniciosa dentro de uma determinada organização social; porém, isto não muda em nada a relevância antropológica dessas substâncias: elas sempre oferecem a possibilidade de alterar as percepções, o humor e as sensações – toda a questão reside em saber como e porque os homens pretendem alcançar isso.

Em um apanhado global da história das drogas, ressalta a grande relatividade cultural do seu uso. O desafio que representa a tentativa de compreender esse uso vai além dos problemas imediatos desta ou daquela dependência. Qualquer explicação unidimensional é falaciosa, produto mais de mal-entendidos ou preconceito do que investigações científicas. Citamos a respeito G. Edwards (Correio da Unesco, 1982):

Entre as falsas idéias, por exemplo, encontraram-se essas: achar que o álcool não é uma droga, que o uso de drogas só se refere aos jovens, que basta um tipo de explicação para compreender o problema das drogas que uma solução apreciada no Ocidente tem efeitos no Oriente, que se pode curar as sociedades dos males da droga, reforçando-se cada vez mais a ação das alfândegas e da polícia, que o uso de drogas significa inevitavelmente uma apavorante decadência, enfim, que o problema decorre simplesmente da droga, simplesmente do indivíduo ou simplesmente do desequilíbrio da sociedade.

A necessidade de uma compreensão equilibrada e integrada dos problemas de drogas é premente.

Segundo esse mesmo especialista os citados, “os piores erros cometido nestes últimos anos vem de uma tendência a negligenciar as suas dimensões sociais e culturais”. Por esta razão, apresentamos em seguida algumas considerações sobre aquelas drogas cuja história se confunde com a história da humanidade, a saber, as drogas naturais, ou seja, de origem vegetal.

II - HISTÓRIA DAS DROGAS NA HUMANIDADE

O álcool

As bebidas alcoólicas representam as drogas mais antigas das quais se tem conhecimento. Obtidas pela fermentação de diversos vegetais, segundo procedimentos no início primitivos e depois cada vez mais sofisticados, elas estavam já presentes nas grandes culturas do Oriente Médio. Os mais antigos documentos da civilização egípcia descrevem o uso do vinho e da cerveja. A medicina egípcia, reputada em toda região mediterrânea, usava essências alcoólicas para uma série de moléstias, enquanto meio embriagador contra dores e como abortivo.

O consumo de cerveja pelos jovens era comum; muitos contos, lendas e canções de amor relatam os seus poderes afrodisíacos. O seu uso social e festivo era bem tolerado, embora já no Egito se levantassem moralistas populares contra o seu abuso, por “desviar os jovens dos estudos”. A embriaguez, no entanto, era tolerada apenas quando decorrente de celebrações religiosas, onde considerada normal ou mesmo estimulada.

Nas culturas da Mesopotâmia, as bebidas alcoólicas existiram com certeza no final do 2º milênio a.C. Aos poucos a cerveja a base de cereais foi substituída por fermentados à base de tâmaras. A fermentação da uva também é regularmente mencionada. O uso medicinal de produtos alcoólicos é comum; de fato, todos os vegetais de uso medicinal foram designados como “drogas”, aparentemente sem distingui-las de drogas no sentido moderno, alucinógenas ou narcóticas.

O consumo de álcool nas civilizações gregas e romanas é também conhecido. Ele era utilizado, tanto pelo seu valor alimentício tanto para festividades sociais. Ressaltamos apenas associação entre o uso do vinho e certas práticas e concepções religiosas, representadas pela popular figura do Bacchus. Durante longos períodos o consumo de vinho era proibido para as mulheres, interdito do qual testemunham também os relatos bíblicos. Lembramos que o vinho hoje é parte integrante de cerimônias católicas e protestantes, bem como no judaísmo, no candomblé e em outras práticas espirituais.

O ópio e os opiáceos

Entre os gregos antigos, o ópio era revestido de um significado divino enquanto símbolo mitológico poderoso Os seus efeitos eram considerados como uma dádiva dos deuses destinados a acalmar os enfermos. Mas a história mundial do ópio inicia-se bem antes dos gregos. Na China, desde tempos imemoriais, a planta da papoula, que fornece o ópio, era símbolo nacional (tal como os ramos do café no Brasil). Tais representações na ordem simbólica de um povo significam, além de uma inclinação pela adoração de forças sobrenaturais, um compromisso social profundo, sendo que os referidos cultivo e consumo participam da vida cultural da população como peça fundamental.

A papoula, chamada também de ”dormideira”, é uma planta originária do Mediterrâneo e do Oriente Médio. Ela é cultivada com facilidade em muitas regiões subtropicais e, mesmo, montanhosas. Transcrevemos um trecho de uma publicação das Nações Unidas (Correio Unesco, 1982):

As provas mais antigas do conhecimento do ópio remontam às plaquinhas de escrever dos sumerianos, que viveram na baixa Mesopotâmia ( hoje Iraque) há cerca de 7.000 anos. O conhecimento das propriedades medicinais da papoula chega depois à Pérsia e ao Egito por intermédio dos babilônicos. Os gregos e os árabes também empregaram o ópio para fins médicos. O primeiro caso conhecido de cultivo da papoula na Índia data do século XI: no tempo do império mongol(século XVI), a produção e consumo de ópio nesse país já eram fatos normais. Parece que o ópio foi introduzido na China pelos árabes no século IX ou X. O ópio era conhecido também na Europa na Idade Média, e o famoso Paracelso o ministrava a seus pacientes.

Quando o ópio era utilizado por prazer, ele era ingerido ou bebido como chá. O hábito de fumar ópio é recente, isto é, conta umas poucas centenas de anos. O abuso do ópio e seus derivados (morfina e heroína) deu origem aos primeiro esforços internacionais do controle de uso de narcóticos.

Em muitas sociedades orientais tradicionais, sobretudo no meio rural, recorre-se ao ópio contra dores nas enfermidades somáticas, mas também como tranqüilizante e pelas suas propriedades euforizantes. Mas ele é também instrumento de relaxamento e de sociabilidade, sendo consumido em agrupamentos populares da mesma forma que o chá, o álcool e o cigarro. Na Malásia, por exemplo, os pescadores procuravam no ópio ajuda para suportarem condições de vida extremamente duras enquanto hábito antigo totalmente integrado.

Guerra do Ópio

No século passado, a “British East India Company” produzia ópio na Índia e o vendia para a China. A insistências do governo chinês em reprimir a venda e o uso da droga que se alastrava como uma epidemia levou a um conflito com a Inglaterra, conhecido como a “Guerra do Ópio”. Os Ingleses, que detinham o monopólio (altamente lucrativo) do comércio do ópio, obrigaram a China a liberar a importação da droga; como resultado, em 1900, metade da população adulta masculina chinesa era descrita como dependente da droga. Esse exemplo mostra a importância dos fatores políticos e econômicos intervenientes no cultivo, comércio e consumo de drogas.

Não há dúvida de que o livre comércio Inglês do ópio (e depois, dos seus derivados, morfina, heroína, codeína, etc.) para as sociedades ocidentais piorou o panorama do consumo de drogas. Amplamente aceito como droga recreativa no Oriente e comprado livremente em armazéns na Inglaterra e nos Estados Unidos, até fins do século passado, o ópio provocou o surgimento de “casas de ópio” na maioria de cidades européias. Foi somente no início deste século que o seu consumo começou a ser proibido.

A Coca e seus derivados

A coca é um arbusto de folhas persistentes que cresce em grande parte da América do Sul, em particular nas regiões andinas. Suas folhas são mastigadas há séculos, nas montanhas e altiplanos, pela população indígena.

Segundo certos pesquisadores esse hábito remonta a quatro mil anos, como testemunham determinados achados arqueológicos. Porém o hábito de mastigar a folha da coca – o chamado “coquear” - não representa nem a única nem talvez a mais importante função social dessa planta: ela ocupa um lugar de destaque na cosmologia, na esfera comunitária e ritual dessas populações. Ela participa da expressão de uma identidade étnica antiga, afirmada em particular diante dos invasores espanhóis no início da fase de colonização.

Tentando suprimir esse hábito, estes correram o risco de provocar uma descaracterização étnica com conseqüências imprevisíveis, senão um colapso social. De fato, o hábito do “coquear” faz parte de uma adaptação biológica e sócio-cultural em contexto geográfico e climático altamente desfavorável, que evidentemente não se deixa mudar por considerações meramente moralistas.

Mastigar a folha da coca tem por objetivo, em primeiro lugar, evitar o cansaço, considerável devido à altitude evita-se, assim, a sede e a fome (ou pelo menos as suas sensações), e agüenta-se melhor o frio, as vezes, intenso. Dentro da área biomédica não está esclarecida, ainda, a questão da atuação da coca dentro do organismo humano. As substâncias alcalinas que contém, detêm, sem dúvida, um potencial energetizante, mas que suscita mais efeito no sistema nervoso central do que no metabolismo digestivo; o valor propriamente nutritivo da coca continua sendo discutido.

Existe também um uso medicinal da coca, sob forma de “chá de coca”, ao qual se atribui propriedades específicas para problemas digestivos, para estancar hemorragias, para tratar de feridas e etc. Os curandeiros usam-na em procedimentos diagnósticos e terapêuticos, apelando ao “espírito da coca“ em rituais acompanhados pela comunidade inteira. O seu valor cultural e mitológico ressalta, em particular, através do seu uso nos momentos do nascimento e da morte. Ela é aplicada no recém-nascido para a secagem do cordão umbilical, que, em seguida, é enterrado junto com as folhas de coca, representando assim, um talismã para o resto da vida do indivíduo. Nas cerimônias funerais, acredita-se numa verdadeira convulsão dos espíritos (da coca), que devem ser apaziguados mediante certos rituais, para assegurar a tranqüilidade no além, da pessoa falecida.

Percebe-se dessa forma que o uso da coca tem algo de sagrado. Ele não se limita ao mastigar, como conseqüência de condições sócio-econômicas difíceis. Se é altamente desejável melhorar as condições de vida dessa população, não quer dizer que se deve, para isso, destruir os seus valores culturais milenares. Se a cocaína é obtida a partir da coca (ou da pasta de coca), as intervenções repressivas devem atingir não a população ainda, mas os proprietários das grandes plantações e os grandes traficantes que comercializam a droga nos países industrializados.

Este é mais um exemplo da complexidade dos problemas de drogas: eles não se limitam aos efeitos farmacológicos, mas tocam as esferas sócio-culturais, econômicas e políticas entre outras.

A Maconha

Os produtos derivados da planta Cannabis sativa são usados por milhões de seres humanos há quatro ou cinco mil anos. Conforme a região e o procedimento de extração, eles são chamados de haxixe, marijuana, cânhamo ou maconha. Conforme um trecho do correio da Unesco (1982):

Raras são as regiões do mundo onde não se pode cultivar a maconha. Conforme a natureza do solo, o clima e a maneira de cultivo, a planta, que parece uma erva daninha, pode atingir alturas que variam de 30 centímetros a seis metros. A planta da maconha, ou a substância bruta dela derivada, como as rações artesanais feita com ela, são conhecidas por uma variedade de nomes.

O emprego terapêutico da cannabis é nenhum hoje em dia, mas, em algumas partes da Ásia, os médicos ainda utilizam-na no tratamento de afecções. O consumo de cannabis é tradição secular em alguns países, principalmente naqueles onde o consumo de álcool é proibido.

No segundo milênio a.C., a maconha foi empregada com fins terapêuticos na China e descrita pelo imperador Shen Nung como analgésico. Seu emprego medicinal corresponde a uma longa tradição entre povos africanos e asiáticos. No Brasil, parece que a cannabis foi introduzida pelos escravos que conheciam as suas propriedades já na África. Muito consumida pela população negra, o seu uso foi largamente difundido em estados do Nordeste, em particular Bahia e Maranhão onde até hoje existe um consumo recreativo de uso popular.

A moda, o rito, as classes sociais

Considerada a “droga da moda” nos anos 60, no auge da contestação hippie (junto com o LSD), a maconha continua a ser fumada até hoje em dia, em particular nas faixas dos jovens, mas perdeu o seu destaque nas classes dos inalantes nas classes desfavorecidas e da cocaína nas classes média alta.

Para exemplificar o uso popular da maconha, citamos o exemplo da Jamaica. Conhecida há centenas de anos, a ganja (droga derivada da planta Cannabis) é facilmente cultivada e produzida, embora seu consumo seja considerado ilegal. Certas seitas atribuem-lhe poderes místicos e divinos, especialmente o de afastar os espíritos do mal. O operário jamaicano encontra na ganja energia para trabalhar e relaxamento após o trabalho, e oferece a droga mesmo aos filhos para que fiquem “mais inteligentes”.

Nessa população, pois, fumar a ganja é um rito (como mastigar coca nos Andes) e não fator de alienação ou desintegração social: o seu uso constitui um complexo de crenças, atitudes e costumes compartilhados por toda a comunidade. Porém, há diferenças entre as classes sociais. Na população de baixa renda, a criança aprende a utilizar a erva muito cedo, sendo possível que se coloque chá de ganja até nas mamadeiras. Nas classes média e alta, no entanto, a droga é condenada, mas os adolescentes fumam-na, expressando, assim, a sua oposição contra a geração adulta. Ela se tornou, portanto, um símbolo de curiosidade, prazer ou mesmo revolta, desvinculado de um rito social tradicional; ela é agora inserida em um código social, novo, aquele dos jovens à procura de novos valores e novos modelos. Citamos um trecho do Correio de Unesco (1982):

O adolescente de classe média fuma por curiosidade, para incrementar o prazer sexual, para fazer descobertas psicodélicas etc. Não possui um código definido para se conformar, não tem modelo respeitável para imitar. Ao contrário, uma criança que cresce na classe operária aprende aos poucos utilizar a erva, e não lhe faltarão modelos. Ela pode começar a fumar com 7 ou 8 anos, embora, de modo geral, seja iniciada por companheiros aos 12 anos, numa cerimônia de grupo que tem mais de um traço de semelhança com um rito de passagem.(...)

Os estudos antropológicos indicam que a cultura (ou subcultura) cria automatismo de proteção que atenuam o perigo dos entorpecentes. Nada de mais importante, por exemplo, aprender a dosar para obter exatamente o resultado esperado, e nada mais. Esses mecanismo de proteção exemplificam, talvez, o fato da intoxicação crônica por maconha parecer relativamente inofensiva nos operários jamaicanos. Em compensação, a situação parece mais grave quando se trata dos jovens de classe média, embora aí o número de fumantes seja bem menor: fala-se de abandonos escolares, episódios psicóticos, relações de pânico e outros distúrbios de comportamento.

Percebemos, assim, que nas classes sociais de uma mesma população podem ocorrer mudanças quanto à significação do uso de uma droga, tanto no que respeita os propósitos do uso quanto às formas de utilização.

De um lado, temos um uso ainda ritualístico, integrado nos costumes do povo e ligado ao acervo geral de crenças. Mas por outro lado, o uso, da ganja enquanto tradição cultural se desintegrou, transformando-se, assim, numa maneira de contestar as autoridades e valores tradicionais.

Com o “progresso”, ou seja, com as modas internacionais que se infiltram nessas classes, atribui-se à droga um valor de transgressão, de contestação e de meio (ilusório?) de aculturação. Nos choques entre culturas diferentes e nas tentativas de aculturação que produzem, as drogas representam parâmetros interessantes de comparação, embora produzam, às vezes, efeitos dramáticos.


OUTROS ANALGÉSCOS

O cogumelo e a mescalina

Todas as grandes civilizações oferecem exemplos de uso de substâncias alucinógenas outras que não a Cannabis. O ritual de cogumelos nas Américas, o emprego de cogumelos tóxicos por feiticeiros e curandeiros da Ásia, a utilização de certos vegetais na feitiçaria européia da Idade Média, o uso do “Khat” em certos países árabes e africanos com a finalidade de atingir estados de medição e de sabedoria representam tais exemplos. A mescalina (ou o peiote, nome popular de origem asteca), era (e ainda é) muito empregada e venerada como amuleto, panacéia ou alucinógeno nas regiões montanhosas do México, bem antes da chegada dos conquistadores espanhóis. Era usada por certos índios como remédio ou para visões que permitissem profecias. Ingerido em grupo, pode servir para induzir estados de transe durante certas atividades rituais.

Se o peiote é obtido de um cacto, a psilocibinja o é de um cogumelo, considerado sagrado por certas tribos de índios do México. Chamado por eles de “carne dos deuses”, eles usam o produto como instrumento de culto em certos ritos religiosos induzindo alucinações. Outros pós “milagrosos”, obtidos a partir de ervas, cipós ou cascas de árvores, são usados por tribos da América do Sul em cerimônias rituais para provocar estados místicos ou de transe, com o intuito de entrar em comunicação com os seus deuses.

Usos indígenas

No Brasil, drogas alucinógenas são até hoje usadas em rituais de tribos indígenas. A serviço da comunidade, o xamã, ao consumir alucinógenos, entra em contato com os espíritos que o ajudarão a curar doenças, proteger a comunidade contra ataques mágicos e propiciar bem-estar, boas caçadas etc. O xamã, pois, compartilha com o seu povo os prazeres obtidos com drogas: esta, antes de tudo, é propriedade coletiva e não individual, e seu uso deve propiciar harmonia ao invés de desavença, paz ao invés de contestação.

Os antropólogos que se debruçam sobre esses fenômenos sempre ficaram impressionados com os contrastes culturais. A respeito do uso de drogas, citamos Ramos A.R. (1986):

O antropólogo, que nunca perde a oportunidade de cantar os louvores da diversidade cultural, de se declarar um relativista inveterado, tomando cada expressão cultural em seus próprios termos, por mais calejado que esteja com os contrastes humanos, ainda assim se surpreende ante a imensa distância que vai do sonho ao pesadelo, da bênção que são certas drogas em sociedades indígenas à maldição que estas mesmas, ou outras, representam para nós (o “nós” aqui entendido como o superego nacional, da autoridade constituída, familiar, estatal, ou eclesiástica). Para nós, um problema nacional, ou, mais ainda, internacional; para eles, uma das melhores coisas que a cultura inventou.(...).

As drogas, para os povos indígenas, são assunto sério e não podem ser tratados levianamente. Elas representam, virtualmente, um elemento de ligação entre o mundo humano e o extra-humano ou sobrenatural. É através das drogas que os homens se aproximam dos espíritos, do saber esotérico, da compreensão do cosmos.(...) Os xamãs empregam ayahuasca, o cipó da vida que lhes permite viajar entre o mundo dos humanos e dos espíritos. Crê-se que a ayahuasca induz uma realidade semelhante aos sonhos, a qual medeia entre o domínio humano, e o domínio dos espíritos. Os costumes e conhecimentos antigos são transmitidos através da dinâmica conhecimento-visão, embutida num processo contínuo de aprendizagem.

Essas considerações feitas pela antropóloga a respeito dos índios Yanomani, revestem-se de um valor exemplar. De fato, a ayahuasca da qual ela fala (ou huasca, ou hoasca) conhece hoje em dia uma divulgação até mais ampla, através das seitas amazônicas “União do Vegetal” e “Santo Daime”, que empregam o mesmo chá alucinógeno em seus rituais. O consumo ritual aí é sempre comunitário, acompanhado de muita música para afastar as “visões ruins”. Como a influência do cristianismo, preces e rosários estão presentes no ritual. Segundo seus adeptos, a Unia do Vegetal é fator de alienação, pois as atividades da lavoura e da pecuária são interrompidas pelo uso do alucinógeno.

Não se pode comparar o uso indígena com o uso moderno

Essa seita pode ser considerada como uma tentativa de englobar valores indígenas na vida moderna da selva amazônica. Porém, o xamanismo e o uso de psicotrópicos alucinógenos continuam correndo o risco de serem aniquilados, quando a seita entra em choque com as forças externas da política, dos missionários, de agentes governamentais ou de exploradores movidos pela idéia do lucro. Não faz sentido, pois, comparar o uso de drogas na tradição indígenas aqueles das nossas sociedades industrializadas. Citamos a este respeito as conclusões de Ramos A.R.(1986):

Assim como é uma violência social tentar transformar o índio à imagem do branco, queira ele ou não, também uma violência espiritual aplicar os mesmos pesos e medidas a experiências tão distintas como são o mundo mágico dos índios e o que é por quase todos nós considerados o submundo criminoso dos brancos. Se fizermos o esforço de um olhar desarmado para essas expressões culturais que são as drogas entre os povos indígenas, talvez possamos vislumbrar uma outra maneira de ser humano e, quem sabe, voltarmos outra vez a nós mesmos um pouco mais sábios. Como disse o poeta Hugo von Hoffmansthal, o caminho mais curto até nós é a volta ao mundo.

III – CONSIDERAÇÕES FINAIS

As apresentações precedentes evidentemente não são exaustivas. Elas têm valor de exemplificação, demonstrando em particular, a relatividade cultural do uso de drogas. O que é valorizado como bem em determinada sociedade, é apresentado em outra invenção do diabo, como meio de depravar a juventude ou como calamidade pública.

Devemos concluir disto que a droga em si mesmo não é boa nem má: é um meio colocado à disposição do homem pela natureza (ou hoje, muitas vezes, pela indústria). Tudo dependerá do uso que dela se faz: um uso socialmente limitado e integrador, ou um uso desregrado, isto é, um abuso, que desintegra, marginaliza e provoca decadência.

As motivações para o uso

De fato, se as drogas foram usadas durante milênios, como vimos, os abusos – e com eles os fenômenos de dependência (ver também unidade nº4) – constituem práticas relativamente recentes. Eles resultam de evoluções características das sociedades modernas, desde o início da industrialização, provocando choques culturais e descaracterizações étnicas às vezes violentos. Daí advêm os fenômenos de aculturação pelos quais se abandona os valores tradicionais, sem se encontrar valores novos que tenham potencial de integração social.

Como conseqüência, assiste-se à formação de subculturas e de grupos marginais, a um pauperismo crescente de amplas faixas da população, a movimentos de revolta e de contestação ou, ao contrário, a fenômenos de prostração letárgica. Entre todos estes, o consumo de drogas prolifera, apresentando-se como uma solução, como um consolo ou um meio de tolerar os estados de frustração, miséria ou desânimo.

O contexto sócio-cultural

Ao condenar e combater o uso de drogas, cabe, pois, levar em conta a evolução histórica de uma determinada região ou sociedade, bem como os fenômenos sociais, políticos e culturais do contexto no qual elas se inserem, se não este combate será cego, fanático e ineficiente, porque não ataca o problema em si – que não compreende – mas apenas certas conseqüências, certos sintomas de um disfuncionamento social muito mais amplo.

Desse disfuncionamento faz parte a exploração econômica e política das drogas: na geopolítica mundial, elas representam um fator de peso, porque é uma luta de vale-tudo, onde se lança mão de qualquer meio de argumento para tirar vantagens ou lucro. Basta citar, para exemplificar, a guerra do Vietnam ou, mais recente, aquela do Afeganistão ou a situação explosiva da América Central: em todas elas participa o comércio de drogas – com todo aquele fluxo de “narco-dólares” – condenado oficialmente mas incentivado pelas superpotências quando as favorece.

Se toda guerra é suja, aquela que envolve drogas o é mais ainda; ela desmascara a hipocrisia da condenação moralista oficial, fachada atrás da qual se desenrola o confronto impiedoso entre ideologias diferentes, seja do hemisfério norte contra o sul (o terceiro mundo, produtor de drogas de origem vegetal...), seja dos ricos contra os pobres, das gerações dominantes contra os jovens contestadores.

O consumo de drogas, pois, faz parte da nossa realidade social. Ele é um fato, não mais (ou pouco) vinculado a um uso medicinal ou a ritos religiosos, mas a uma procura de prazer que corre o risco de se tornar desenfreada e que desvia a realidade. De uma dádiva divina, ela se transformou, assim, em uma maldição com um alto potencial alienante.

O movimento hippie

Mas nessa evolução, a sociedade não é inocente: desregulada e desumana em seu funcionamento, ela secreta drogas que seduzem e alienam os seus membros mais fracos, socialmente ou psiquicamente. A evolução do movimento hippie é exemplar a este respeito. Citamos um trecho de um trabalho anterior (Bucher, R.,1986):

Nos anos sessenta, a contestação “hippie” dá o tom aos movimentos “underground”, à busca do belo, do prazeroso, do “flower-power” na terra. A fé nos ideais idílicos de pureza e de bondade, junta-se a experiência de novos modos sensoriais, propiciadas pelas drogas psicodélicas. A efervescência intelectual das discussões políticas, a intensidade da agitação cultural, o entusiasmo pela abertura de novos caminhos cosmopolíticos eram acompanhados pelo florescimento de um novo misticismo. A droga aí participava não como um instrumento desintegrador e destrutivo, mas como uma oportunidade de experimentar novas sensações e chegar-se a novas percepções do universo, da vida, da interioridade humana.(...)

A evolução da conjuntura econômica das sociedades ocidentais trouxe mudanças profundas nesse quadro, relegando ao segundo plano a procura pacata de prazeres floridos e de conveniências mais harmoniosas. A recusa do modelo dos pais, a exaltação de novos modos de viver e o militantismo cordiato cederam a um desencanto cada vez mais radical, chegando a beirar o desespero e suscitando, ao invés de prazer, violência e auto destruição. As tentativas de vida alternativa, boicotadas ou recuperadas pela sociedade “liberal” se apegaram diante do impacto da crise econômica, chamando à realidade cruel das necessidades básicas a à monotonia da luta para assegurá-las. Desiludido, o movimento hippie se desarticula...

O consumo (e abuso) de drogas faz, assim, parte dos processos de marginalização que ocorre em nosso meio; cabe entender os seus determinantes históricos e culturais, as suas incidências antropológicas, políticas, religiosas e psicológicas, para compreender a envergadura do fenômeno. Este apóia-se no tripé das movimentações dos usuários, das pressões do contexto sócio cultural e dos estados de dependência (física e/ou psíquica), enquanto da ingestão prolongada de tóxicos.

Tratamento adequado ao abuso de drogas

Somente se levados em conta esse tripé e os múltiplos fatores que nele se juntam, é possível chegar-se a uma compreensão adequada – condição indispensável para criar meios de intervenção judiciosa (ver também unidade nº3) embora, mesmo assim, de eficácia ainda limitada. É que não se elimina o consumo de drogas, nem os seus abusos: elas estão aí, se oferecem a quem quiser, e recorrer a elas corresponde a uma possibilidade humana pela qual cada um pode optar, mas pela qual tem que aprender a se responsabilizar.

Não existe, pois, panacéia para eliminar as drogas da sociedade, porque elas fazem parte da cultura humana. E àquelas que pregam a mera condenação, total e absoluta, de todo e qualquer consumo de drogas, lembramos que essa condenação além de ser desumana e antropologicamente factícia, é ineficiente, porque condena não somente o uso de drogas, mas com ele o ser humano e as suas aspirações ao prazer, à felicidade e à beleza.

Tais aspirações, como já frisamos, são legítimas e fazem parte da “condição humana”. Esta, infelizmente, permite deslizes, abusos e falhas, implica em desequilíbrios, dramas, conflitos e angústias – mas querendo eliminá-los, elimina-se o que há de mais humano no homem, a sua liberdade e os riscos que tem que assumir em sua existência.

Lembramos ainda, aos defensores intransigentes da condenação do consumo das drogas e da sua própria repressão incondicional, que, não há muito tempo, consumidores de café e de tabaco foram condenados à morte. Aconteceu no século XVIII, em vários condados da Alemanha e na Rússia czarista (ver Volger, G e v. Welck, 1982).

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BIBLIOGRAFIA

BUCHER, R. O consumo de drogas: evoluções e respostas recentes. Psicologia: teoria e pesquisa. (UnB). Brasília, 2(2): 132-144, 1986.

BUCHER, R. (org.). As drogas e a vida: uma abordagem biopsicossocial. São Paulo, EPU, 1988. 105p.

CORREIO DA UNESCO. O mosaico das drogas. 10 de março 1982 (contém artigos originais, como o de Griffith Edwards “A toxicomania tem muitas faces”, p. 11 e alguns textos oriundos das Nações Unidas).

LOPEZ, A.O. Drogas y toxicomanias. Madrid, Editora Nacional, Libros Directos, 1979.

NOWLIS, H. A verdade sobre as drogas. A Unesco e seu programa. 3 ed., Rio de Janeiro, IBECC – UERJ, 1982.

RAMOS, A.R. a “viagem” dos índios – maldição ou tentação? Humanidades. (UnB). Brasília, 10(3):69-75, agosto /outubro, 1986.

VOLGER, G. e v. WELCK, K. Rausch und Realität. Drogen im Kulturvergleich. (Embriagues e realidade. Drogas no cotejo das culturas). Hamburg, Rowohlt, 1982.

Complementar:

BUCHER, Richard. A toxicomania paradigma de dependência humana. Brasília, DF: Humanidades, 3(10): 60-68 ago./out., 1986.

BUCHER, Richard (org.). As drogas e a vida: Uma abordagem biopsicossocial. São Paulo: Centro de Atendimento a Toxicômanos, EPU, 1988.

BUCHER, Richard E. e Costa Priscila F. Modelos de atendimento a toxicômanos. Arq. Bras. de Psicologia. Rio de Janeiro, v.37, n.3, p.70-83, jul./set., 1985.

BUCHER, Richard. O jovem e a transgressão. Brasilia, D.F., Humanidades, 4(14) 16-21, ago./out., 1982.

BUCHER, Richard (org.). Prevenção ao uso indevido de drogas. Ed. UNB, 1989.

BUCHER, Richard e Totugui, Márcia. Conhecimento e uso de drogas entre alunos. Psicologia: teoria e pesquisa, v.3, n.2, p.178-194 maio/ago., 1987.

BUCHER, Richard E. O consumo de drogas: Evoluções e respostas recentes. Psicologia: teoria e pesquisa, Brasília, v.2, n.2, p.132-144, maio/ago., 1986.

BUCHER, Richard et al. O Toxicômano. Dados psicossociais e estrutura psico-dinâmica, Psicologia: Ciencia e Profissão, Brasília, 1(1): 79-106, jan., 1981.

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