Creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais viril e de mais perfeito do que o Cristo; e eu digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e não pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se acha n'Ele, prefiro ficar com o Cristo a ficar com a verdade. (Dostoievski)

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1 de mai. de 2008


Desafiando a gravidade

Foi no drive-in da Lagoa que assisti, pela primeira vez, ao clássico O mágico de Oz, num domingo qualquer do passado. Fui com meu padrinho, que arrastou a criançada toda para aquela maravilha dos novos tempos e das comodidades: um cinema onde se podia entrar com o carro. O filme, na época, não me causou grandes impactos, confesso. Talvez porque estivéssemos, eu, os irmãos e os primos, excitados demais com a modernidade de tudo aquilo. Só muito mais tarde fui descobrir a estrada de tijolos amarelos.

Dorothy surgiu depois do café da manhã, trazida por uma outra lembrança, que, como todos sabem, nunca se apresenta sozinha. Enfim, eu tinha acabado de ler os jornais e estava com aquele peso reflexivo que a leitura dos matutinos geralmente provoca em nós, abismados com o libreto da ópera-bufa em que vivemos, quando lembrei de Wicked, o musical de Stephen Schwartz, um dos últimos grandes sucessos da Broadway. A peça é baseada no romance de Gregory Maguire, que gosta de recontar os contos de fada, buscando novos ângulos e jogando alguma luz sobre aquelas histórias tantas vezes contadas e que foram as responsáveis pelos nossos primeiros passos em terras desconhecidas, a saber: amor, morte, respeito, decência e maldade.

Em Wicked, Maguire envereda pela Terra de Oz e seus habitantes, em especial a bruxa má do oeste, que decide batizar de Elphaba. Não só ele lhe dá um nome, como voz, permitindo-lhe subverter a história, a narrar os fatos pelo ponto de vista da antagonista. Elphaba nasceu verde, fruto de um caso extraconjugal de sua mãe. Rejeitada pelo pai e constantemente atormentada pela cor da pele, ela desenvolve, na escola, uma relação de amor e ódio com Glinda, a futura fada boa do norte, que é a essência da peça.

Estamos nos tornando, pouco a pouco,
alguma coisa que não chamamos pelo nome,
mas que nos impede de voar

Agora, pergunta-se o leitor, aliás, com todo o direito: Que diabos temos nós com isso? O que nos importa essa lembrança vinda pela manhã, após a leitura dos jornais? Explico: Elphaba não nasceu má, nunca apresentou traços de maldade em sua personalidade. Para ela, não houve saída, vítima da solidão e do desprezo. Ela desafia a gravidade, aprende a voar e, a seu jeito, diz não ao mundo pasteurizado e corrupto de Oz, que não aceita suas diferenças. Elphaba escolhe ser a bruxa má do oeste, em última análise.

E nós? Temos escolha? Estamos nos tornando, pouco a pouco, alguma coisa que não chamamos pelo nome, mas que nos impede de voar, cada vez mais esmagados pelos desmandos e pela corrupção que vai enchendo nossas almas de um cinismo atravancador. Não desafiamos a gravidade, não nos mexemos e assistimos impassíveis ao desenrolar dos fatos. É preciso ser Elphaba, eu penso, e atiro fora as notícias, respiro fundo e preparo-me para encarar o dia, quando os versos de Florbela Espanca aparecem para uma visita inesperada e fecham a crônica: não pode chegar aos astros, quem leva a vida de rastros, quem é poeira do chão. Desafiemos a gravidade, pois!

***

* Texto do genial Miguel Falabella publicado no site da revista Istoé 27/04/2008.
MAIS: www.istoé.com.br/

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