Mito nº 2
"Brasileiro não sabe português / Só em Portugal se fala bem português"
[continuação]
E essa história de dizer que "brasileiro não sabe português" e que "só em Portugal se fala bem português"? Trata-se de uma grande bobagem, infelizmente transmitida de geração a geração pelo ensino tradicional da gramática na escola.
O brasileiro sabe português, sim. O que acontece é que nosso português é diferente do português falado em Portugal. Quando dizemos que no Brasil se fala português, usamos esse nome simplesmente por comodidade e por uma razão histórica, justamente a de termos sido uma colônia de Portugal. Do ponto de vista lingüístico, porém, a língua falada no Brasil já tem uma gramática -- isto é, tem regras de funcionamento -- que cada vez mais se diferencia da gramática da língua falada em Portugal. Por isso os lingüistas (os cientistas da linguagem) preferem usar o termo português brasileiro, por ser mais claro e marcar bem essa diferença.
Na língua falada, as diferenças entre o português de Portugal e o português do Brasil são tão grandes que muitas vezes surgem dificuldades de compreensão: no vocabulário, nas construções sintáticas, no uso de certas expressões, sem mencionar, é claro, as tremendas diferenças de pronúncia -- no português de Portugal existem vogais e consoantes que nossos ouvidos brasileiros custam a reconhecer, porque não fazem perte de nosso sistema fonético (...). E muitos estudos têm mostrado que os sistemas pronominais do português europeu e do português brasileiro são totalmente diferentes.
(...)
O único nível em que ainda é possível uma compreensão quase total entre brasileiros e portugueses é o da língua escrita formal, porque a ortografia é praticamente a mesma, com poucas diferenças. Mas um mesmo texto lido em voz alta por um brasileiro e por um português vai soar completamente diferente , ou melhor, difrent! Aliás, faça você mesmo a experiência: tente tirar a letra de uma música cantada por um cantor ou uma cantora da "terrinha" e veja como é difícil!
(...)
No que diz respeito ao ensino do português no Brasil, o grande problema é que esse ensino até hoje, depois de mais de cento e setenta anos de independência política, continua com os olhos voltados para a norma lingüística de Portugal. As regras gramaticais consideradas "certas" são aquelas usadas por lá, que servem para a língua falada lá, que retratam bem o funcionamento da língua que os portugueses falam. É a concepção que impera, por exemplo, no livro Não erre mais!, de Luiz Antônio Sacconi, que na página 64 explica:A Lua é mais pequena que a Terra.
Eis aí uma frase corretíssima, que muitos imaginam o contrário. Mais pequeno é expressão legítima, usada por todos os portugueses, que usam menor quando se trata de idéia de qualidade: poeta menor, escritor menor etc. [grifo de M. Bagno]
Fica implícito, então, que para considerar uma expressão "legítima" basta que ela seja "usada por todos os portugueses", como se eles ditassem a norma lingüística válida para todos os povos que falam português. Ora, todos sabemos que mais pequeno não funciona no Brasil, é uma expressão rejeitada pela norma culta brasileira, que usa menor em todas as circunstâncias em que há comparação.
(...)
Marcos Bagno, em Preconceito lingüístico -- o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 1999, pp. 23 a 27.
A militância de Bagno contra toda forma de exclusão social pela linguagem se tornou mais conhecida depois da publicação do livro Preconceito lingüístico: o que é, como se faz (Ed. Loyola) que, desde seu lançamento, em 1999, vem sendo reeditado de modo ininterrupto e constante, com uma edição nova a cada mês. [Extraído do site de Marcos Bagno: http://www.marcosbagno.com.br/ ]
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