A conferência dos chefes de estado da União Européia, Mercosul e Caribe, encerrada no fim de semana passado, em Madri, viveu dois momentos surpreendentes. O primeiro por causa da desatenção dos presidentes do México, Vicent Fox, e do Brasil, Fernando Henrique Cardoso. No intervalo de uma sessão os dois conversaram com franqueza e desancaram os EUA que, segundo FHC "fala muito e faz pouco". Não sabiam que os microfones de uma estação de TV estavam ligados, e assim, apanhados no contra-pé, admitiram a gafe.
Mas surpresa mesmo tiveram os chefes de Estado europeus, que ouviram perplexos e calados um discurso irônico, cáustico e de exatidão histórica que lhes fez Guaicaípuro Cuatemoc, cacique de uma nação indígena da América Central. Eis o discurso:
Aqui estou eu, descendente dos que povoaram a América há 40 mil anos, para encontrar os que a encontraram só há 500 anos. O irmão europeu da aduana me pediu um papel escrito, um visto, para poder descobrir os que me descobriram. O irmão financista europeu me pede o pagamento, com juros, de uma dívida contraída por Judas, a quem nunca autorizei que me vendesse. Eu também posso reclamar pagamento e juros. Consta no Arquivo das Índias que somente entre os anos 1503 e 1660 chegaram a São Lucas de Barrameda 185 quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes da América. Terá sido isso um saque?
Não acredito porque seria pensar que os irmãos cristãos faltaram ao Sétimo Mandamento! Teria sido expoliação? Guarda-me Tanatzin de me convencer que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue do irmão. Teria sido genocídio? Isso seria dar crédito aos caluniadores, como Bartolomeu de Las Casas ou Arturo Uslar Pietri, que afirma que a arrancada do capitalismo e a atual civilização européia se devem à inundação de metais preciosos!
Não, esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata foram o primeiro de outros empréstimos amigáveis da América destinados ao desenvolvimento da Europa. O contrário disso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que daria direito a exigir não apenas a devolução, mas indenização por perdas e danos.
Prefiro pensar na hipótese menos ofensiva. Tão fabulosa exportação de capitais não foi mais do que o início de um plano Marshalltesuma, para garantir a reconstrução da Europa arruinada por suas deploráveis guerras contra os muçulmanos, criadores da álgebra, da poligamia, do banho diário e outras conquistas da civilização. Para celebrar o quinto centenário desse empréstimo, poderemos perguntar: Os irmãos europeus fizeram uso racional desses fundos? Não. No aspecto estratégico, dilapidaram nas batalhas de Lepanto e outras formas de extermínio mútuo. No aspecto financeiro foram incapazes, depois de uma moratória de 500 anos, de cancelar o capital e seus juros. Este quadro corrobora a afirmação de Milton Friedman, segundo a qual uma economia subsidiada jamais pode funcionar, e nos obriga a reclamar-lhes o pagamento do capital e dos juros.
Mas não cobraremos de nossos irmão europeus vis e sanguinárias taxas de 20% e até 30% de juros. Nosso limite é exigir a devolução dos metais preciosos, acrescida de um juro módico de 10%, acumulado apenas durante os últimos 300 anos. Sobre esta base, e aplicando a fórmula européia de juros compostos, informamos aos descobridores que eles nos devem 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de prata, multiplicada por 300, isso quer dizer um número para cuja expressão total seriam precisos mais de 300 cifras, e que supera o peso total do planeta Terra.
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Quando terminou, o cacique nem sabia que estava expondo tese de Direito Internacional. Os europeus ali reunidos devem ter percebido que, nesse tempo de globalização e tecnologia, índio já não quer mais apito, quer que lhe paguem o devido, com juros.
Texto de Fernando Menezes
NOTA: Tenho esse texto há muito tempo, impresso e guardado em um dos meus baús. Acho que ele é fantástico! Infelizmente não tenho referência outra que não o nome do autor. Textos como este, e outros, é que me fazem crer que a cultura européia e seu modo de vida estão falidos. E, ao mesmo tempo, não estão.
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