Caros Inimigos
Este e-mail é um sincero pedido de desculpas.
Nós invadimos seu país, bombardeamos suas cidades, destruímos suas terras e é possível que acidentalmente alguém até tenha morrido. Não há provas, mas é possível. E lamentável.
Nós poderíamos dizer que foram vocês que começaram. Mas nós não vamos dizer que foram vocês que começaram. Não, não vamos. Mas foram.
Nós achamos que o importante é aprender com as lições da História, assim com H maiúsculo. E o que nos diz a História? Que os mais fortes escrevem a História. E, como somos os mais fortes, nós é que vamos pôr a culpa em vocês. Mas não se zanguem com isso. Até porque não vai adiantar nada. Nós mesmos, há bem pouco tempo, éramos fracos como vocês são agora. E fomos massacrados como vocês foram agora. Fomos invadidos, torturados e humilhados. E também nos zangamos, mas acabamos aprendendo a lição. Aprendemos a massacrar, invadir, torturar e humilhar. E hoje nos damos muito bem com nossos antigos carrascos e invasores. Somos nações muito felizes e desenvolvidas e civilizadas.
Toda civilização é um assalto. A Europa, para ter o melhor da arte africana em seus museus, precisou de excelentes exércitos para invadir cada paisinho daqueles (e não são poucos!). Sabemos que vocês vão esbravejar que isso também é um crime. Mas nós perguntamos: o que é um crime? Dar um tiro em alguém é um crime? Bem, se você for um escravo e estiver atirando em quem o escravizou, esse tiro pode ser chamado de libertação. Você pode até virar herói nacional. E quando começa um crime: quando você o comete ou quando você é descoberto? Se você matar seu vizinho, sumir com o corpo e ninguém descobrir, houve crime? Talvez na sua consciência. Mas no mundo de hoje há tanto o que fazer que, francamente, sobra muito pouco tempo para a consciência.
Portanto, em vez de gritarem, por que vocês não vêem o lado positivo da invasão que sofreram? Por exempo, as oportunidades econômicas e os mercados que a invasão vai criar. Com tanta coisa para reconstruir, vocês vão acabar com o desemprego. E nesse ponto vão estar melhor do que nós. Parabéns. Mas não precisam agradecer. Basta vocês entenderem de uma vez por todas que a guerra traz muito mais progresso para a humanidade do que a paz, tempo em que todos falam e ninguém se entende. E, afinal de contas, o que há de errado com o assassinato? É tão científico. A seleção natural das espécies nada mais é do que o assassinato em série dos mais fracos pelos mais fortes. E nas religiões é a mesma coisa. Vocês já viram algum exército vencedor deixar de agradecer a Deus pela sua vitória? Não. Já viram os derrotados culparem Deus pela derrota? Também não. Donde concluímos, nós todos juntos, que Deus está sempre do lado dos vencedores. Assim como a História.
Além disso, a derrota e a vitória são dois lados da mesma moeda. Nós com a vitória e vocês com a derrota estamos juntos, cada um de um lado da moeda. E o que pode ser mais importante do que estar com a moeda? Portanto, com Deus, as lições da História e a moeda, daqui a alguns anos vocês estarão tão bem quanto nós. E deviam nos agradecer por tê-los invadido. Mas não. Não! Vocês vão pra ONU e pras televisões e pros jornais de vocês falarem mal de nós. Por que, meu Deus, por que? É bom vocês saberem que nós estamos muito aborrecidos com isso e esperamos que vocês se desculpem em breve. Em breve não, hoje, agora. Ou amanhã de manhã teremos que invadir vocês novamente. E nós não queremos isso. Portanto, mais uma vez, seu destino está nas suas mãos.
Por isso, como dissemos na primeira frase: este e-mail é um sincero pedido de desculpas.
Que estamos esperando de vocês.
***
Texto de Cesar Cardoso, escritor, publicado na revista Caros Amigos, Ano X, nº 115, outubro/2006, p. 12.
NOTA: O Cesar Cardoso é uma das mais gratas surpresas dos últimos tempos! Seus textos são graciosamente bem escritos. São literariamente humorísticos e políticos, irônicos na boa medida, compreensíveis, concisos, inteligentes. Há mais escritos dele aqui no Blog, é só procurar.
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