Creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais viril e de mais perfeito do que o Cristo; e eu digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e não pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se acha n'Ele, prefiro ficar com o Cristo a ficar com a verdade. (Dostoievski)

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25 de set. de 2007

Adilson Citelli [2]

Signo e ideologia

A consciência da importância de estudar a natureza do signo para reconhecer os tipos de discursos levou Mikhail Bakhtin a formular um dos mais férteis pensamentos sobre o assunto.

Em síntese, fala-nos o teórico soviético em seu Marxismo e filosofia da linguagem que é impensável afastarmos do estudo das ideologias o estudo dos signos, e que a questão do signo se prolonga na questão das ideologias. Há entre ambas uma relação de dependência tal que nos levaria a crer que só é possível o estudo dos valores e idéias contidos nos discursos atentando para a natureza dos signos que o constroem. Assim sendo, os recursos retóricos que entram na organização de um texto (...) não seriam meros recursos "formais", jogos visando a "embelezar" a frase; ao contrário, o modo de dispor o signo, a escolha de um ou outro recurso lingüístico, revelaria múltiplos comprometimentos de cunho ideológico.

Mas, como ocorreria a relação entre signo e ideologia? "Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao contrároio destes, ele também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é exterior. Tudo que é ideológico possui um significado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia." (BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, Hucitec, 1979. p. 17)

Vejamos o seguinte exemplo: Um martelo outra função não possui, enquanto instrumento de trabalho, senão o de ser utilizado no proceso produtivo. Vale dizer, não extraímos dele nenhum outro significado a não ser o de auxiliar-nos na afixação de pregos, na quebradura de pedras etc. Contudo, o mesmo instrumento posto em outra situação, num contexto em que passe a produzir idéias ou valores que estão situados fora de si mesmo, refletindo e refratando outra realidade, será convertido em signo.

O martelo e a foice na bandeira da URSS estão produzindo a idéia de que o estado Soviético é construído sob a aliança dos trabalhadores do mundo urbano com os trabalhadores do mundo rural. Daí dizer-se, através da bandeira, que a URSS é o estado potencializado pela união dos operários com os camponeses.

De instrumentos de trabalho que eram, o martelo e a foice transformaram-se em signos, visto terem ganho dimensão ideológica. A ideologia transitou através dos signos. A idéia final que a bandeira da URSS quer persuasivamente produzir é a que o Estado Soviético é determinado pelos interesses dos trabalhadores. Note que os signos deram à bandeira a possibilidade de afirmar que, sendo ela a expressão mmaior da nacionalidade e estando nela as representações dos operários (o martelo) e dos camponeses (a foice), é fácil deduzir que são esses os que de mais importante existem dentro da nação.

Há uma enorme série de exemplos de instrumentos ou até mesmo produtos de consumo, que perderam seu sentido inicial para se transformarem em signos: ou seja, passaram a funcionar como veículos de transmissão de ideologias. O pão e o vinho para os cristãos, a balança para a justiça, a maçã para o pecado, a pomba para a paz etc. [Ressalto que F. de Saussure chamou estes signos de "símbolos". A passagem ideológica do "ícone" para o "simbolo" se daria a partir de uma percepção pre-existente da ligação entre a imagem e um significado atribuído a ela que já está culturalmente consensualizado em determinado grupo social. Citando Castelar de Carvalho, em Para compreender Saussure: "(...) o símbolo, semi-arbitrário, é um tipo intermediário entre o ícone e o signo; por exemplo, a balança é o símbolo da Justica, a espada, símbolo do Exército, a cruz simboliza o Cristianismo (uma vez que seu fundador nela morreu), etc." São Paulo: Vozes, 200. p.p. 26-27] É possível, contudo, em qualquer desses exemplos, saber até onde começa o signo; numa outra palavra, estamos diante da passagem do plano denotativo para o plano conotativo. O pão, enquanto tal, denota um alimento; porém, no contexto do rito religioso, passa a conotar o corpo de Cristo.

Para aduzirmos mais uma observação às considerações realizadas até aqui, convém lembrar que o signo só pode ser pensado socialmente, contextualmente. Sendo assim, cria-se uma relação estreita entre a formação da consciência individual e o universo dos signos. Só podemos pensar a formação da consciência dentro de um prisma concreto, derivado, do embate entre os signos.

Se as palavras, por exemplo, nascem neutras, mais ou menos como estão em estado de dicionário, ao se contextualizarem, passam a expandir valores, conceitos, pré-conceitos. Nós iremos viver e aprender em contato com outros homens, mediados pelas palavras, que irão nos informar e formar. As palavras serão por nós absorvidas, transformadas e reproduzidas, criando um circuito de formação e reformulação de nossas consciências. Não podemos imaginar, como querem certas filosofias, que a consciência seja uma abstração, uma projeção do "mundo das idéias". Ao contrário, pode-se verificar pelo que foi dito até aqui, que a consciência se forma e se expressa concretamente, materialmente, através do universo dos signos Pode-se, portanto, "ler" a consciência dos homens através do conjunto de signos que ela expressa. [Aí chegamos ao embate Materialismo vs Idealismo. Ora, como ser cristã e socialista??? E mais: se o cristianismo é dualista, visto que separa matéria e espírito, tendo também retomado Platão -- sobretudo nos escritos de Paulo -- , como se dizer que ele é idealista, se tanto o materialismo como o idealismo supõem uma concepção monista da realidade? Cf: LYONS, John: 1981.]

As palavras, no contexto, perdem sua neutralidade e passam a indicar aquilo a que chamamos propriamente de ideologias. Numa síntese: o signo forma a consciência que por seu turno se expressa ideologicamente.

Com essas observações, é fácil deduzir que o modo de conduzir o signo será de vital importância para a comprensão dos modos de se produzir a persuasão.

(...)"

In: CITELLI, Adilson. Linguagem e Persuasão. São Paulo: Ed. Ática, 1994. pp. 26-29

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