“Ninguém nasce gay” |
A orientação sexual não é definida naturalmente, mas sim influenciada pela sociedade, afirma um dos mais importantes estudiosos do sexo.
Ninguém nasce gay ou heterossexual. O desejo sexual, ao contrario do que se imagina, não tem origem nos instintos naturais do ser humano, diz o sociólogo americano John Gagnon . Ele faz estudos do sexo há mais de 40 anos. Foi uns dos primeiros a contrariar a perspectiva defendida pelo sexólogo Alfred Kinsey, que afirmava ser o sexo um instinto natural. Em contrapartida, Gagnon propôs a idéia de que o comportamento sexual é completamente regido por regras sociais. O livro Uma interpretação do Desejo, lançando na semana passada no Brasil, é o primeiro de John Gagnon publicado O filosofo francês Michel Foucault credita a Gagnon a base de seus estudos sobre a sexualidade do ponto de vista sociológico. E por que Foucault ficou mais famoso que ele? “Porque ele é francês, e ainda por cima filosofo, o que é muito chique. Eu sou só um pobre sociólogo americano!” Disse Gagnon em entrevista a Revista Época. Gagnon: Não. As pessoas agem impulsivamente, sem pensar no que estão fazendo. Mas não existe um impulso natural para o sexo. Como todo mundo faz sexo, achamos que somos impelidos a isso. Em minha carreira, analisei como os atos sexuais são diferentes em épocas e lugares diversos no Brasil de hoje á Rússia de cem anos atrás. As atividades sexuais são parecidas, mas as razoes ou motivações que levam as pessoas a transar são diferentes. Época: Há um conflito entre nossas necessidades sexuais e a repressão imposta pela cultura? Gagnon: Não há um conflito entre o que está dentro do individuo e o que a cultura diz, mais sim um conflito dentro da cultura. Entre o que as pessoas gostariam de fazer e o que é considerado apropriado. A cultura oferece diversas possibilidades. Você pode querer ter relações homossexuais, fazer sexo só no casamento, transar com uma pessoa bem jovem ou mais velha. Todas as possibilidades estão lá, mas a cultura também, diz que são as corretas. Época: A orientação sexual é socialmente determinada? Gagnon: Sim. Existem evidencias de que a homossexualidade é construída socialmente. É uma capacidade apreendida, não algo com quem se nasce. Época: Mas essa visão social não alimenta o discurso conservador de que gay pode virar hetero? Gagnon: Sim, desde que os conservadores também admitam que um hetero pode virar gay. A sexualidade é mais flexível do que permitimos. Época: A atração sexual também é socialmente aprendida? Gagnon: É nos costumamos reduzir o que achamos atraentes nos outros. Há um rol de coisas que podem causar excitação sexual e a maior parte das pessoas não vê. No começo do século XX, o que os homens e mulheres achavam sexy era diferente do padrão de hoje. Tudo depende da cultura, do que a pessoa aprendeu que deve desejar. Época: O que acha da escala Kinsey, que identifica a preferência sexual em seis estágios que variam da homossexualidade total á heterossexualidade total? Gagnon: É um jeito interessante de pensar na sexualidade, mas deixa de lado todos os fatores sociais, Kinsey queria criar uma variável continua, mas as pessoas vivem de modo descontínuo. Há uma diferença entre ter uma identidade sexual e uma prática sexual. Um homem que se diz gay não é homossexual apenas porque faz sexo com homem. Ser gay tem a ver com o comportamento com os amigos, a política, etc. O gay é uma nova pessoa social. Há homens que só têm relações sexuais com homens, mas não se apresentam como gays porque não pensam como gays. Época: As fantasias sexuais também são desenhadas socialmente? Gagnon: Sim. Ninguém inventa as próprias fantasias. Elas são partes de umas peças que as pessoas montam em sua cabeça, mas cujo enredo já está escrito. Lembro de uma vez em que andava de carro com minha filha e suas amigas de 12 anos. Elas se esqueceram que eu estava ali e começaram a falar de suas fantasias sexuais. Uma delas disse: “Penso em ir á praia com um Porshe e caminhar na areia de mãos dadas”. A garota seguinte disse: “Penso em ir a praia com um jovem bonito, num carro chique...”. Todas as historias eram iguais! Se eu fosse um pai careta, teria me tranqüilizado naquele momento, pois nenhuma delas falava de sexo. Elas só sabiam o script do romance. Época: E por que o romance é tão importante? Gagnon: As relações românticas datam no inicio da idade media, mas não eram sexuais. Nos anos 30, por exemplo Judy Garland e Mickey Rooney faziam sucesso nos filmes como par romântico, mas nunca falavam de sexo. Só mais recentemente o sexo com romance ficou importante. Época: Qual é a sua teoria sobre papeis sexuais? Gagnon: Os papeis são os elementos que você tem de saber para poder relacionar com o outro. Quando quer fazer sexo, você pergunta: é a pessoa apropriada?; É o homem ou mulher?; É meu chefe?; Dá para fazermos sexo na sala de casa?; Fechados no escritório? A pessoa é um ser social e sabe quais situações serão aceitas. Tudo é aprendido. Não está incrustado no corpo. Gagnon: As pessoas aprendem a ser sexuais da mesma maneira como aprendem a jogar futebol: praticando. Época: No passado, quando o sexo era um tabu, como as pessoas aprendiam a exercer seus papeis sexuais? Gagnon: Todos os filmes tinham cenas de beijos e, às vezes uma garota ficava grávida. Muitos jovens achavam que beijar engravidava. Mas havia outras fontes de conhecimento. Os encontros duplos no drive-in, por exemplo. O casal sentando no banco da frente olhava o retrovisor para ver o que fazia o casal de trás. Meninos e meninas conversavam entre si e também com amigos do mesmo sexo. Se voltarmos ao tempo, quando não havia cinema, as pessoas aprendiam nos livros, observando animais ou vivendo em casa sem muita privacidade Época: Várias formas de conduta sexual vêm sendo aceitas. Qual será o futuro se continuarmos a nos abrir para novas possibilidades? Gagnon: Não vamos fazer nada fisicamente diferente. Todo mundo acha que as pessoas vão fazer mais sexo. Mas o corpo é um recurso limitado e há apenas alguns arranjos possíveis. O interessante não são as atividades físicas, mas a forma como a pessoa encaixa o sexo dentro de sua vida. O futuro não será simplesmente físico, mas cultural. Época: Como isso vai acontecer? Gagnon: A próxima geração será mais racional em relação à vida sexual. Vai pensar por que o sexo é importante: se é uma fonte de prazer, o que significa estar com esta ou aquela pessoa. Ao mesmo tempo, os jovens vão perceber que sexo não é o que há de mais relevante na vida. Temos de pensar em como viver longos relacionamentos com ou sem sexo. No futuro, ficaremos melhores nisso. Época: E o sexo na internet? Gagnon: A tecnologia pode tanto melhorar ou piorar nossa vida sexual. Muitas vezes, quem toma viagra, não pensa se a ereção prolongada vai agradar ao parceiro, o usuário final. Os brinquedos sexuais e até o sexo pela internet também pode ter bons e maus usos. O problema é que não sabemos dosá-los. John Gagnon Sociólogo americano de 74 anos e tem 4 filhos. Professor emérito da Universidade do Estado de Nova York. É um dos pioneiros sobre sexo. Publicou 12 livros e cem artigos. Na semana passada lançou o primeiro livro no Brasil, Uma interpretação do Desejo FONTE: Exodus Brasil |
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