Creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais viril e de mais perfeito do que o Cristo; e eu digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e não pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se acha n'Ele, prefiro ficar com o Cristo a ficar com a verdade. (Dostoievski)

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4 de fev. de 2009

reinaldo azevedo


Lula como Fenômeno

Lula é um “fenômeno” de construção de imagem, dê-se à palavra entre aspas qualquer um de seus vários significados definidos ao longo tempo e segundo os vários saberes. O evento pode certamente ser explicado cientificamente, segundo a experiência acumulada das ciências que investigam a sociedade e os indivíduos. A tentação grande, no entanto, é tomar a ocorrência na sua dimensão maravilhosa, que apela aos prodígios. E por quê? Porque ele é, não resta dúvida, uma ocorrência irrepetível.

Ungido pelas esquerdas como o grande agente das mudanças, garantiu, no poder, a continuidade do — usarei a palavra que o PT demonizava — “modelo”, porém numa conjuntura que lhe foi, até agora, formidavelmente favorável. A expectativa do caos, presente em muitos setores, foi substituída pela surpresa do cumprimento das regras — em alguns casos, com laivos de ortodoxia e reverência à ordem que antes contestava. O bom desempenho da economia garantiu-lhe as sobras necessárias para pôr em prática um modelo agressivamente assistencialista, facilmente metabolizável em apoio popular. Se notaram, neste parágrafo, apontam-se as razões estruturais de Lula ter, como dizem seus entusiastas, “unido todas as classes”. Os bem-aquinhoadas aplaudem-no porque nada mudou; as mais pobres aplaudem-no porque tudo teria mudado. Entre o realismo conformado de um grupo e a ilusão conformista de outro, ele chega aos 85% de popularidade.

Goste-se ou não, isso é sabedoria política. O Apedeuta nunca foi burro, não canso de repetir aqui. É uma das maiores inteligências políticas do Brasil, também já escrevi tantas vezes, para protesto de muitos leitores.

Lula é, em muitos sentidos, um monumento ao conservadorismo — a questão é saber de que conservadorismo se está falando. Então vamos lá: os esquerdistas não-lulistas que acusam o presidente de ter congelado o statu quo estão certos. Parecem estar errados se olharmos para a política externa, com um discurso ridiculamente autonomista; ou para a tolerância com bandoleiros disfarçados de movimentos sociais; ou para a selvageria mercadista do ensino superior; ou para as práticas racialistas que mais dividem do que unem os brasileiros... Ocorre que isso tudo é um tanto irrelevante para o que realmente: o tal statu quo.

Sim, as esquerdas queriam mexer naquele ambiente, com seus delírios de sotaque revolucionário. Eu, que não sou de esquerda, e outros tantos também queríamos — a dita “direita”, não sei... Os direitistas das finanças, por exemplo, estão insatisfeitos com Lula? Acho que não. A nossa “mexida” seria certamente outra. O país abandonou o caminho das reformas, como todos sabem: política, administrativa, eleitoral, tributária... Passada a crise, e um dia ela vai passar, continuaremos a ser um dos países do mundo mais hostis aos negócios e ao empreendedorismo; continuaremos a ter um dos sistemas educacionais mais ineficientes da terra; continuaremos a ter uma das cargas tributárias mais altas e caóticas do universo; continuaremos a ser um país fortemente marcado pela cultura patrimonialista, agora acrescida do patrimonialismo sindical da nova classe social que Lula deu à luz; continuaremos a ser o país do “coitadismo” à espera do pai-estado; continuaremos a ser o país do estado gigante e da sociedade pequena. Continuaremos a ser o que éramos.

Lula aprofundou os nossos problemas essenciais com mais estado, com mais assistencialismo, com mais do mesmo. Deu cavalo-de-pau nas reformas. Não fez a revolução que as esquerdas queriam — a não ser as cosméticas — e, claro, não operou as transformações estruturais de que os mudancistas gostariam. Foi, em suma, um conservador sem nenhuma imaginação.

“Ah, mas então diz aí, sabichão, como se explicam os 85% de popularidade?” Ora, já estão explicados. Para a Dona Zelite, tudo ficou, convenham, no seu lugar. Já a adesão das camadas populares decorre de uma conjuntura internacional extremamente favorável e da formidável capacidade de nada mudar, mas com ar refrigerado: num caso, Lula surfou, por exemplo, na onda da criação de empregos — e, aí sim, de geração sustentável de renda. No outro, estendeu o bolsismo a 50 milhões de pessoas. Não incluiu os miseráveis na economia, mas os incluiu na política. E esse pode ser o seu maior feito.

O homem
E há, claro, as qualidades próprias de Lula, sabiamente manipuladas por seus marqueteiros, que caíram no gosto popular —e, se me permitem a piada, até no “impopular”. Ele é mestre em dar respostas simples para problemas difíceis. Oriente Médio? “Os palestinos e os judeus precisam se entender”. Crise mundial? “Culpa dos especuladores, que, agora querem prejudicar o Brasil”. Desemprego? “Ganância dos empresários, que não reclamavam quando ganhavam dinheiro”.

Notem: nem o mais sectário dos lulistas conseguiria evidenciar que a popularidade de Lula cresceu porque, em janeiro, a vida dos brasileiros melhorou um pouco que fosse. De fato, ela não melhorou para ninguém: piorou um tantinho e tende a piorar ainda mais. Mas ele conseguiu — e não contou com adversários nesse esforço — se desvencilhar da crise (que, de fato, não é de sua responsabilidade) com a mesma facilidade com que conseguiu faturar os benefícios do crescimento (que também não era de sua responsabilidade). “Ora, se Lula afirmava que era ele o responsável pela boa fase do Brasil, por que não continua a atuar da mesma maneira?” Se a média dos brasileiros se fizesse tal pergunta, o país seria outro, não é?

E há um dado da história de Lula que caiu na estimação do povo — não é novo, mas é reforçado a cada dia. Ele é tido como um "ex-oprimido”, mas não como um perdedor, um “loser”, coisa que não pega bem nem no Bananão. Os perdedores estimulam, no máximo, a caridade. Ninguém tem muita paciência com eles. Lula tem o charme irresistível do “retirante” que superou todas as dificuldades e chegou ao topo. Ele é um medalhão do sindicalismo há mais de 30 anos — e isso significa poder, prestígio, intervenção política etc. Mas e daí?

O que excita a imaginação é o filho de Dona Lindu, que já está virando filme. Nesse sentido, Lula já se tornou um mito. E o mito não precisa ter as qualidades que lhe atribuem. Ele preenche uma fantasia, ou uma falha, que está em quem o cultua. O agravamento da crise ou sua continuidade, com conseqüente baixo crescimento, pode até minar um pouco dessa popularidade, mas Lula passará mais ou menos imune a ela. O mito não é arranhado por situações da vida real.

Eleição
Que efeito essa dimensão mítica terá nas eleições? Estou entre aqueles que consideram fortíssimo qualquer candidato ungido por Lula — Dilma ou qualquer outro. Tende a ser ela, já que passa incólume pelos crivos da oposição e da imprensa. Ainda se mostra uma mala difícil de carregar, mas vai crescendo aos poucos, move-se. Por enquanto, basta. Quando Lula jogar todo o seu peso político num nome, ele dispara na preferência do eleitorado.

O Lula real, numa eleição presidencial, transfere voto, sim. Digamos, é mero chute, que os que o consideram um grande administrador, pessoa da mais alta competência, apostem na repetição do padrão petista. Chuto que o ungido não demore a alcançar, sei lá, entre 25% a 30% da preferência do eleitorado quando a campanha começar. O Lula não-mítico dirá: “Vote neste aqui”, e um monte de gente vai, sim, fazer o que ele sugere.

O que não se transfere são os valores míticos — aí não tem jeito: eles pertencem ao objeto de adoração, estão colados à imagem e à história daquele ou daquilo que foi escolhido para preencher uma fantasia. Para Lula fazer seu sucessor, um tanto depende de sua indicação, sim, mas o indicado terá de demonstrar as próprias virtudes para ultrapassar a linha.

Os petistas certamente tentarão demonstrar ânimo com o discreto crescimento de Dilma e a discreta queda de Serra. Por ora, creio, esses números não significam grande coisa. Dizem apenas que nem o próprio eleitorado petista, maior dos que aqueles 13,5%, a reconhecem como alternativa. Tanto quanto Serra é visto como uma possibilidade por um eleitorado bem maior do que o do tucanato: sua candidatura já é popular; a dela, ainda não.

O que pode começar a fazer diferença, daqui a pouco — e a favor de Dilma —, é que o PT tende a unir fileiras em defesa de seu nome, enquanto os tucanos, para não variar, estão dando bicadas nos próprios pés.

Afinal, além do seu “conservadorismo popular”; além da dimensão mítica; além da conjuntura internacional; além, sem dúvida, da sorte, Lula nunca perdeu em apostar nos erros de setores importantes da oposição.

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