Creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais viril e de mais perfeito do que o Cristo; e eu digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e não pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se acha n'Ele, prefiro ficar com o Cristo a ficar com a verdade. (Dostoievski)

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14 de ago. de 2008

Uma música lenta, por favor





Antigamente, havia todo um caminho para a construção de um beijo. Hoje, o beijo é a primeira coisa que acontece, antes mesmo de se saber o nome do dono ou da dona daquela língua. Não digo que era melhor na minha época. Digo apenas que tenho saudade.

Tenho saudade das minhas primeiras festinhas. Elas aconteceram na minha vida mais ou menos entre os 10 e os 14 anos. Se você tem mais de 30, sabe do que eu estou falando. Eram festas baseadas em brigadeiro, refrigerante e música lenta. Os bailinhos representavam um rito de passagem importante - de uma vida assexuada, idílica, vivida entre iguais, para outra vida banhada em hormônios, em que o sexo oposto aparecia para a gente não mais como uma raça alienígena, mas como um centro gravitacional poderosíssimo.

As festinhas proporcionavam o primeiro contato físico - e afetivo - com o sexo oposto. Ali, na hora da dança, senti pela primeira vez uma barriga quente encostando na minha. O perfume emanado de um pescoço delicado, dos cabelos arrumados, das roupas novas. Um par de mãos femininas repousando em meus ombros. Dois peitinhos pressionados contra o meu peito magricela. E um rostinho macio colado na minha cara espinhuda, girando comigo desajeitadamente pela sala. Aquele espaço à meia luz virava um palco fantástico, um teatro majestoso. Houve um verão em que, todos os sábados das férias, tínhamos uma festinha para ir.

No começo, passava o dia jogando bola, ou explorando um terreno baldio, ou brincando de esconde-esconde. E, ao cair da tarde, tomava um banho, vestia minha melhor roupa, pedia emprestado o perfume do pai, escovava os dentes e me mandava para a festa. Naquele ritual, nos transformávamos de fedelhos em mancebos. Alguns garotos menos avisados apareciam de calção nas primeiras festas. E aprendiam rápido que aquele era um lugar para calças Wrangler, camisetas Lightning Bolt, carteira de veludo com velcro da Op, docksides da Samello e relógios G-Shock no pulso.

O motor dos bailinhos era a música lenta. A melhor de todos os tempos, a meu ver, é "Hard to Say I'm Sorry", do Chicago. Não se fazem mais bandas como Chicago. Ninguém mais se junta para compor e tocar música lenta. Não confundir com música romântica, ou com baladas intimistas, ou com músicas sexy - só música lenta é construída para você dançar junto.

Meu Top 30 tem também "Without You" - versão do Nilsson, de 1972, e não a da Mariah Carey, por favor. Tem "All Out of Love", do Air Supply. Tem Elton John com "Empty Garden" e até John Lennon com "Woman". Tem Barry Manilow com "Mandy", "Phil Collins com "Against All Odds". E, claro, Bonnie Tyler com a histérica e deliciosa "Total Eclipse of the Heart".

A grande fonte de música lenta eram os discos de novela (obrigado, Nelson Motta). O bolachão na vitrola testemunhou várias das minhas tentativas de conquista à meia-luz. Funcionava assim: se ela ficasse para a segunda música, eu começava a passar a mão no cabelo. Se ela deixasse, eu a abraçava mais forte. Se ela topasse, eu tentava uns beijinhos no pescoço ou na orelha. Se ela não resistisse, aí sim, podia rolar um beijo na boca.

A música lenta acabou porque ninguém precisa mais dela. Havia todo um caminho para a construção de um beijo - e hoje o beijo é a primeira coisa que acontece, antes mesmo de se saber o nome do dono ou da dona daquela língua. Conseguir dar um beijo em alguém era uma conquista e tanto. Hoje são muitos beijos em várias pessoas numa mesma noite. A música lenta morreu porque o bailinho como rito de passagem, como janela socialmente aceita para uma iniciação pré-sexual, perdeu o sentido.

Mas não sou conservador: Não digo que o jeito de as coisas acontecerem hoje é pior do que na minha época. Provavelmente não é. Digo apenas que adorei ter vivido aquilo tudo. E que sinto saudade.

***



Texto de Adriano Silva, 36 anos, publicado na revista Marie Claire.

4 comentários:

Unknown disse...

Eu tenho bem mais que 36 anos e, no entanto, o texto constitui um retrato de minha adolescência. E, igualmente, sinto saudade.

Maya Felix disse...

Eu também tenho muita saudade, Lucia. Minha adolescência em Brasília, na Asa Sul, quinta e sexta séries, as festinhas eram desse jeito mesmo. Nossa, que nostalgia. Como era tudo tão bom.

:)

Obrigada por compartilhar isso comigo!

Unknown disse...

Gente, e a eternidade entre colocar a primeira música para tocar e o primeiro casalzinho se formar para só então os outros tomarem coragem?
Ah! Que suspense delicioso!
:))

Maya Felix disse...

É, Alexandre, saudades dessa época de ouro de nossas vidas...

Venha sempre por aqui, seja bem-vindo.

Maya

:)

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