Essa gente bronzeada e o chororô olímpico
A cada medalha perdida, a cada último lugar numa final, a cada travessia suada para uma semifinal, nós somos convidados a chorar de orgulho verde-amarelo, enrolados na bandeira, pelo esforço de atletas excepcionais. É a maior delegação brasileira, 277 atletas, uma população de quase 200 milhões e, até o fechamento desta edição, sexta-feira à tarde, tínhamos quatro medalhas de bronze. Que me desculpem, mas não consigo me emocionar com o desempenho do Brasil nas Olimpíadas. Está longe de nosso potencial humano.
Acorda, Brasil, antes de 2016! O incentivo precisa ser consistente e planejado para nossos atletas não chorarem de decepção. Carentes de uma política esportiva séria. Dinheiro existe. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) recebe R$ 50 milhões por ano. Em Sydney (2000), últimas Olimpíadas em que o COB mendigava verbas do governo, ganhamos 12 medalhas: seis de prata e seis de bronze. Em Atenas (2004), foram dez medalhas: quatro de ouro, três de prata e três de bronze. Para onde vai esse dinheiro do COB? Quanto é sugado por despesas administrativas?
"Ainda é cedo para um balanço, porque o Brasil é forte em esportes coletivos, que só rendem medalha no final; e aí a percepção de fracasso muda inteiramente para sucesso". diz o editor-executivo André Fontenelle, nosso especialista enviado à China. "Mesmo assim, na melhor das hipóteses, ganharemos um total de 18 medalhas, e sempre nos mesmos esportes e com as mesmas figuras. Uma evolução pífia." Para seu tamanho e dinheiro disponível, o Brasil deveria ganhar umas 30, como a Grã-Bretanha, décima colocada em Atenas.
O brasileiro é bom de briga. Dá pra ver pelo judô. A primeira mulher a conquistar medalha em esporte individual para o Brasil foi a judoca Ketleyn Quadros, de 20 anos. Nasceu em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília. A mãe matriculou na natação, mas ela fugia para ver o judô. Aos 10 anos, numa redação escolar, escreveu que ganharia uma medalha. Hoje, em Belo Horizonte, Ketleyn recebe salário do Minas Tênia Clube. Para financiar sua viagem a Pequim, precisou que amigos em Ceilândia fizessem uma vaquinha. Vaquinha para uma campeã?*
A mídia dá cambalhotas para minimizar o constrangimento de anunciar repetidas derrotas para telespectadores insones. Ninguém agüenta mais acordar cedo para ver o Brasil perder. Na falta de medalhas, a mídia entrevista famílias com voz embargada. E vamos todos à maternidade, onde está o filho recém-nascido do Marcelinho do vôlei. Close nos olhos vermelhos de todos. A musa Ana Paula também chora com saudade do filho. E o brasileiro chora junto, porque é sentimental e adora uma novela. Na categoria de choro derramado, o Brasil já é ouro.
Quando uma americana ganha prata, ela se irrita. Quando as ginastas brasileiras ficam em oitavo lugar e último lugar numa final, pulam de orgulho por ter sido a primeira vez. Em patriotismo de resultado, ninguém bate os chineses e os americanos. Para eles, o que interessa é o pódio. Por trás, contam com uma extraordinária estrutura oficial, não só verba. Quando o Brasil conquista medalhas, elas vêm de talentos isolados que vencem adversidades. Ou de um esporte coletivo como o vôlei, mais bem-sucedido por ter apoio de empresas.
Vão dizer que o Brasil tem outras prioridades, como saúde e educação fundamental. Mas, se vamos investir muma fortuna para tentar trazer os jogos olímpicos para o Rio de Janeiro em 2016, precisamos evoluir no quadro de medalhas. Por que acabou a obrigatoriedade de Educação Física nas escolas? País anfitrião não pode dar vexame. Não pode deixar a vitória escorrer entre as mãos e os pés.
Olimpíadas não são uma questão de sorte, embora Jade tenha dito que a ginástica é "uma caixinha de surpresas". Olimpíadas exigem preparo, preparo, preparo. Planejamento, persistência, trabalho a longo prazo. Dinheiro chegando ao destino certo. Atletas não precisam ser heróis nem fenômenos Phelps. Bronze é bom, mas essa nossa gente bronzeada também almeja ser prata e ouro. E aí, ninguém segura o chororô do Brasil.
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Texto de Ruth de Aquino, publicado na revista Época de 18/08/2008.
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NOTA: Bom, ela disse o que eu tinha vontade de dizer, a respeito das Olimpíadas - obrigada, Ruth de Aquino. Os grifos em negrito, no texto, são meus. Quero completar, com minha perplexidade em ver o Ministério dos Esportes ser sempre um prêmio de consolação para algum partido aliado menor. O atual ministro é... Orlando Silva, o ex-presidente da... UNE, filiado ao... PC do B, o partido nanico estalinista que nunca teve apreço especial pelo esporte - aliás, talvez por um, o "lançamento de carteira". Verbas? Há. Mas são mal direcionadas. A maioria do dinheiro sustenta estruturas administrativas e, de vez em quando, uma boa tapioca, comprada com cartão corporativo. No mais, quem foi a anta governamental que retirou a prática de Educação Física dos currículos de primeiro e segundo graus??? Não acredito. Onde estão os ginásios e piscinas públicos que deveriam fazer parte de todos os bairros, em todas as cidades? E nas escolas públicas, quando há algum material esportivo, é de quinta categoria, velho, doado. Eu me lembro que na escola onde fiz segundo grau - pública - a quadra de esportes era cheia de mato, com piso de cimento rachado, sem cobertura. A piscina nunca era usada, suas águas eram sujas, imundas, e ela estava sempre interditada. O melhor lugar era o tatami do judô, até bem cuidado. Mas não tínhamos vestiários, armários, nada. Pois é.
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* Já foi esclarecido, na revista Época desta semana (de 24/08), que ninguém fez vaquinha para financiar a ida da judoka Katleyn Quadros à China, mas para que sua mãe e sua madrinha pudessem estar lá. Pois é...
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