Creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais viril e de mais perfeito do que o Cristo; e eu digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e não pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se acha n'Ele, prefiro ficar com o Cristo a ficar com a verdade. (Dostoievski)

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15 de jan. de 2008

Quando as mulheres dominavam a Terra

O maior emblema da vitória final da ideologia capitalista no século XX não foi a Queda do Muro e a subseqüente derrocada dos socialismos, mas a entrada da mulher no mercado de trabalho.
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A transição recebeu diferentes rótulos, todos com conotações positivas para as mulheres – feminismo, liberação da mulher, regime igualitário, – porém minha impressão é que, oculto sob o discurso da valorização da mulher, estava o triunfo definitivo de valores tradicionalmente masculinos.
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Cedendo à simplificação e deixando de lado as exceções, pode-se dizer que durante milênios a participação da mulher na sociedade ocidental representou uma alternativa real ao modo masculino de agir e pensar. Ser mulher era epitomar um modo de vida subsersivo, livre (em maior ou menor grau) das obsessões circulares da testosterona: a agressividade, a competividade, a combatividade e a acumulação compulsiva de territórios, bens e parceiros sexuais.

O mundo dos homens sempre foi das conquistas e rivalidades, e portanto dos capitalismos. O domínio da mulher permanecia em grande parte no campo do imponderável, o domínio de coisas antiquadas e gays como o amor, o silêncio, a compaixão, a generosidade, a expressividade, a pausa, o cultivo, o sacrifício, a partilha. O homem cultuava tradicionalmente a performance, a mulher cultuava o afeto. Os homens eram combativos como cristãos, as mulheres desprendidas e zen. O homem priorizava os objetivos, a mulher priorizava os relacionamentos. A postura do homem era sair para o combate, a da mulher abraçar na esperança de que o homem enxergasse a insensatez do combate. O patriarca, mais fraco, saía para trabalhar e caçar; a matriarca, infinitamente mais poderosa e influente, governava de sua cadeira e fazia com que os homens girassem ao seu redor como satélites.

Com a entrada definitiva da mulher no mercado de trabalho, por ocasião do escoamento dos homens no crivo da Segunda Guerra Mundial, esse cenário se alterou. Oficialmente as mulheres estavam a partir de agora “reivindicando seus direitos” e “conquistando o seu espaço”. Mais propriamente, estavam dando o seu aval às obsessões masculinas e confessando que apenas o espaço dos homens era legítimo. Depois de séculos de brava resistência, as mulheres dobravam-se no altar da performance.
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Como conseqüência, o ocidente sofreu uma tremenda perda no campo da “biodiversidade” cultural, e o capitalismo voltou para casa com o braço cheio de troféus e trunfos.


AS MULHERES FORAM ALÇADAS À CONDIÇÃO DE HOMENS HONORÁRIOS.

A situação é inusitada. Não sabemos dizer com qualquer grau de certeza o que espreita hoje por trás do conceito de “feminino”, exceto que grande parte das mulheres receberia o qualificativo como insulto.

Como tornou-se politicamente incorreto associar a mulher ao conceito tradicional de feminilidade, a história e a arte vêm sofrendo uma rigorosa e contínua revisão. Os traços do feminino não-combativo são eliminados com diligência bolchevique tanto de lendas quanto de narrativas históricas.

A doce donzela Guinevere, do ciclo das lendas da Távola Redonda, teve de ser redesenhada como guerreira implacável, precisa e sanguinária no filme Rei Arthur, de 2004. Esta decisão é emblema de uma onipresente tendência: a fim de evitar os embaraços causados pela postura tradicionalmente feminina de heroínas como Guinevere, essas são “alçadas” artificialmente à condição de homens honorários – altura de onde lançam flechas, desferem socos, lideram exércitos e cospem no chão. Na verdade apenas os homens e seu mundo é que são honrados, mas a maioria das mulheres parece se aplacar diante dessa insultuosa homenagem.

Mesmo um livro como O Código Da Vinci, cuja trama secreta diz respeito à recuperação do “feminino” na história, faz de Maria Madalena mera competidora na luta tipicamente masculina dos discípulos pelo poder. A Madalena de Dan Brown é mulher sem face e sem alma, inteiramente mergulhada no mundo dos homens e deixando-se moldar eficazmente por ele.

O capitalismo, como eu ia dizendo, celebra nessa capitulação das mulheres à combatividade masculina sua mais retumbante vitória. Assim que a mulher caiu na tentação do mundo dos resultados a oferta de mão de obra dobrou instantaneamente, e o mercado encheu-se de possibilidades e promessas que renderam exponencialmente. Não apenas a mulher tornou-se público consumidor independente, com direito a seus próprios produtos e meios de comunicação, mas sua entrada em cena possibilitou a criação de novos públicos onde ninguém imaginava que poderia haver um. Sentindo-se culpadas por não ficarem em casa “cuidando dos filhos,” e ao mesmo tempo benificiando-se de sua nova independência financeira, as mulheres passaram a encher seus filhos de presentes, transformando o infantil no público de maior poder decisão de todo o mercado – condição inteiramente inconcebível há meros cinqüenta anos atrás.

Se por um lado o mercado saiu ganhando com a glorificação do individualismo, por outro homens e mulheres contabilizam ainda as suas perdas. Os homens foram privados do exemplo de sanidade que lhes restava, e não são mais convidados pelo exemplo das mulheres à salubridade de uma vida menos ambiciosa e de maior significado. Hoje não há quem não acredite que só existe auto-realização e auto-expressão, e portanto valor, no trabalho remunerado. Seduzidas por essa conversa, as mulheres perderam muitos de seus privilégios mais incisivos e essenciais; em especial, a autoridade de zombar do modo de vida dos homens.


Paulo Brabo, em 14 de março de 2007.

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