Existem clichês que são velhos como as telenovelas. Os autores se negam a se livrar deles. E, o mais importante - nós, espectadores, queremos que continue assim! Como um acordo secreto, uma piscada entre os que fazem e os que assistem. É falso, e daí?
- Ninguém usa camisinha em novela. O bonitão olha para a bonitona. Vão para a cama. Em poucos capítulos ela procura, aflita, o galã. "Miguel, precisamos ter uma conversa séria!" "Que tipo de conversa, Luciana?" "Miguel, eu... eu... eu estou grávida!" Filhos indesejados são sempre bem-vindos em novelas. Eles implicam sugestões de aborto, testes de DNA, brigas intermináveis, disputas na Justiça, heranças repentinas. Ligam personagens para sempre. Já os filhos desejados, frutos do amor puro e verdadeiro, aparecem aos montes no último capítulo. São meses de explosão populacional descontrolada.
- Todo mundo abre a porta para qualquer um. [NOTA: e isso no Rio de Janeiro, é mole???] No condomínio de luxo, a campainha toca de repente. O dono do apartamento abre a porta. É seu maior inimigo. "O quê?! Você por aqui?!" Ora, o prédio não tem porteiro para avisar que alguém está subindo? Quando alguém toca a campainha, o morador ainda teria a chance de dar uma espiada pelo olho mágico. Mas ninguém olha pelo buraquinho. Mesmo sem olhar, duas palavrinhas mágicas resolveriam o problema: "Quem é?" Ninguém pergunta. Abrem a porta de supetão e sempre levam um susto.
- Para que telefonar se é mais difícil se deslocar? Novelas precisam de encontros pessoais. Troca de olhares, ameaças de bofetões... Isso não se resolve por telefone. Então os personagens precisam visitar uns aos outros pessoalmente. É uma das frases mais repetidas em novelas: "Oi, eu estava passando e resolvi fazer uma visitinha...". O cara pode morar a 30 quilômetros de distância. Ele enfrenta a hora do rush e toca a campainha (ver o item 2).
- Gente de classe média baixa grita muito. Toda novela tem uma família de classe média baixa meio idiotizada que vive comendo e que grita o tempo todo: "MÃE, O TONINHO PEGOU O MOLHO DO MACARRÃO TODO PRA ELE!", "AH, CALA A BOCA, ABELARDO, NÃO ME COMEÇA COM ESSAS FRESCURAS DE NOVO!".
- Gente rica tem um único destino na vida. Não sei quem inventou que o prazer máximo desta vida está em ir a Paris encher a cara de champanhe [NOTA: Que absurdo!!! Paris é uma cidade horrível e champagne... argh!!!]. Esse clichê é repetido eternamente. O conceito de felicidade se resume a Suzana Vieira [NOTA: OK, eu concordo, nada a ver a Suzana Vieira! Por que não eu???] tomando mais uma taça em algum bateau do Sena, com aquela sanfoninha ao fundo [NOTA: Putz, cara, a gente chama de acordéon... Fica esperto pro glamour da coisa, OK?]. Eu não dispensaria um convite [NOTA: Aham... confessou, hein?!], mas daí a achar que esse é o ideal perfeito de programa em todo o planeta vai uma certa distância [NOTA: "Certa" é uma gentileza sua... É uma distância horrível! De São Paulo a Paris, sem escalas, são 13 horas de vôo! Fala sério!]. Nessas cenas em Paris sempre é pôr do sol, há flores por todos os lados, os garçons são gentis, os preços não provocam infarto em ninguém [NOTA: Vamos lá: Veja... na primavera há flores por todos os lados, mesmo, paciência se na sua cidade não tem isso - OK, na minha também não tem - e no verão o pôr do sol é incrível, por causa da poluição - o efeito da luz fica sensacional. Os garçons são gentis, só não tente falar ingrêis com eles, porque eles ficam logo não-gentis. Os preços assustam, mas, perto de Roma ou Milão, Paris é uma pechincha. Pela sua lógica, a Itália é AVC e morte súbita].
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Texto de Dagomir Marquezi publicado na revista Época nº 495, de 12/11/2007, p. 141.
FOTOS: web
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