Creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais viril e de mais perfeito do que o Cristo; e eu digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e não pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se acha n'Ele, prefiro ficar com o Cristo a ficar com a verdade. (Dostoievski)

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20 de nov. de 2007

O DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA / Castro Alves [1] - "Navio Negreiro"

Fotografia: Crianças de Burkina-Faso, África. Blog Imagens de África.

HOMENAGEM

O Blog da Maya hoje presta homenagem ao povo negro de todo o Brasil e de todo o mundo. Viva Zumbi dos Palmares! Viva Martin Luther King, Jr.! Viva Malcom X!
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Os antepassados dos negros foram espoliados, escravizados, retirados à força de suas casas. Em nome do progresso, para satisfazer a insana busca por riqueza, milhares de pessoas foram condenadas à exploração mais vil e hedionda de que se tem notícia. A escravidão é uma ferida aberta. Não está no passado, está todos os dias diante de nós. Foi o maior holocausto já produzido na História da humanidade. Os africanos foram trazidos em navios imundos, e grande parte deles morria durante a viagem. Famintos, sujos, subjugados, viram famílias separadas, parentes assassinados, aldeias queimadas. Quantas mães tiveram seus filhos recém-nascidos arrancados de seus braços! Quantas deixaram de amamentar seus filhos para nutrir com seu leite os filhos das senhoras que as escravizavam! Quantas jovens foram estupradas, mulheres grávidas assassinadas, forçadas ao aborto, idosos jogados vivos ao mar! Foi assim que os povos cristãos, sobretudo ingleses espanhóis, franceses, portugueses e holandeses trouxeram para a América ou escravizaram, na própria África, os seres humanos que viviam naquele continente.
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Durante séculos os negros trabalharam em campos de concentração chamados, quase sempre, de "fazendas". Viviam nas senzalas, eram subalimentados, não havia misericórdia nem amor cristão para eles. Não podiam entrar em igrejas católicas, privilégio dos brancos. Nos Estados Unidos, não podiam entrar nas igrejas protestantes dos brancos. Os negros tinham suas igrejas, os brancos se congregavam em outras. E assim é até hoje.
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Esses homens e mulheres escravizados construíram a enorme grandeza econômica fundada sobre a cultura da cana-de-açúcar, do café e do trabalho de mineração. Os negros fizeram a fortuna de Portugal, do Brasil, de outros países e, de modo privado, de grandes fazendeiros. Foram "libertos" sem ter direito a absolutamente nada do que construíram. Não sabiam ler, nem escrever, nem tinham casa, nem direitos. Eram "livres". Saíram de séculos de escravidão para entrar em mais outros séculos de miséria, preconceito e humilhação. Não possuíam recursos, nem instrução, nem nada. Se viram forçados a viver em lugares paupérrimos: lixões, favelas, periferias, lugares sem saneamento básico, sem água potável, sem escolas nem hospitais. Sabiam fazer o que foram forçados desde sempre a executar, e continuam, em grande parte, a reproduzir essas atividades: limpam, cozinham, cuidam de roças, lavam roupas. A maioria dos analfabetos do Brasil é formada por negros. Os que mais morrem, assassinados pela polícia nas cidades do Brasil, são jovens negros, pobres, entre 18 e 25 anos. O povo pobre, miserável, em sua esmagadora maioria, é negro. E isso em todo o mundo. Nos EUA, na América do Sul, na África.
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No dia da consciência negra, declaro meu apoio à luta deste povo. Declaro meu amor por este povo. Deus nos fez diferentes - negros, brancos, árabes, orientais, índios, indianos - porque é um artista criativo e maravilhoso. E nos amou a todos porque todos fomos criados por Ele, à sua imagem e semelhança, por meio de seu amor, e todos fomos também remidos e justificados pela morte e ressureição de Cristo. Não há, nEle, mais escravos, nem senhores, nem gregos, nem judeus, nem negros, nem brancos. Cristo não tem somente os traços semitas-árabes... Ele é também negro, índio, chinês, branco, mestiço...
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Hoje, Dia da Consciência Negra, declaro que a luta por políticas que tentam mitigar os danos irreparáveis cometidos de modo insano por nossos ancestrais brancos é mais do que justa. É o mínimo que podemos fazer. E ainda é muito pouco. Meu total apoio à política de cotas para negros e pobres nas universidades públicas e particulares. Meu total apoio aos que lutam nas favelas, lixões, cidades miseráveis do interior do Maranhão e de outros Estados para diminuir a desigualdade infame da qual fazemos parte. Minha solidariedade aos que estão no Haiti, na República Dominicana, na África, nos países caribenhos em geral. Em Cuba.
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Temos uma dívida, sim, para com os negros. Eles deveriam, a exemplo dos judeus massacrados no holocausto nazista, receber indenização dos países que os escravizaram por todos os horrores a que foram submetidos. Mas a África agoniza, em meio à fome, à malária, ao cólera. ONU, se manifeste. OEA, diga alguma coisa. Ricos de Davos, se pronunciem. Governo brasileiro, não se cale. Senadores, deputados, governadores, historiadores, autoridades em geral, é chegada a hora de cobrirmos nossa vergonha. Temos uma dívida. Quem vai pagá-la?
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Mayalu Felix
Niterói, RJ, 20 de novembro de 2007.
***
Navio Negreiro
I
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'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
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'Stamos em pleno mar...
Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
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'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
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'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
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Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
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Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
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Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
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Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
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Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................
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Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!
.
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
.
II
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Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
.
Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!
.
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir...
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!
.
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu!...
.
III
.
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
.
IV
.
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
.
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
.
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
.
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
.
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
.
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
.
V
.
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
.
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz? Quem são?
Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!...
.
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão...
.
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
.
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...
.
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
.
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer...
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
.
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...
.
VI
.
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
.
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
.
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
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Castro Alves

***

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