Nada mais nos surpreende. São tantas as informações, tantas as desgraças, que não temos como processar tudo nem saber o que é bom ou não é. A mídia cria e destrói comportamentos aprováveis ou não, e um dos mais reprováveis, mais criticados, mais exaustivamente rotulados de "mau" é o comportamento dos que decidem considerar a Bíblia a palavra final acerca de conduta moral, aprovação ou reprovação no que diz respeito a questões modernas ligadas à sexualidade, ao uso de drogas, ao aborto e a tantas mais.
Todos consideram excelente quando um cristão se manifesta contra a guerra, contra a concentração de renda, a exploração capitalista do homem pelo homem e toda sorte de mazela gerada em nível econômico, político e social. Mas, quando esse mesmo cristão profere opiniões contrárias ao aborto, ao comportamento homoerótico, ao uso de drogas, à adoção de crianças por casais gays, ao adultério, ao sexo casual, descompromissado, bom, aí já é outra história. A mesma pessoa, então, passa a ser condenada e tachada de retrógrada, reacionária, conservadora e destruidora da possibilidade de um mundo "livre" e "moderno".
Entretanto, aspectos da vida pessoal do ser humano conduzem sua vida social, e a distinção que se faz entre o público e o privado é, ela mesma, originada na ideologia capitalista. Sem me deter na explanação teórica sobre esse aspecto, recorro à Bíblia, na qual Jesus disse, há mais de dois mil anos, que é muito difícil um rico entrar no Reino de Deus. Seria por causa de seus bens materiais, em si mesmos? Certamente, não. O fato é que o rico, até para ser rico, para ganhar seus bens e conservá-los, precisa ser desmedidamente ambicioso, materialista, egoísta e superficial. Cobiça o que não é seu e não se apieda do que tem menos -- por isso acumula, porque não divide, tem dificuldades em compartilhar. Aspectos da moral adotada pelo rico se refletem em sua vida social. Até aí creio que "modernos" e "antenados" concordam comigo.
Karl Marx explicou muito bem o sistema injusto no qual vivemos, que permite discrepâncias que vão do faminto que morre por não ter o que comer ao bilionário que tem um avião particular. A teoria econômica de Marx colocou os pingos nos is e mostrou que é o trabalho que atribui valor às mercadorias, e que só por meio da mais-valia, da exploração do trabalho do outro é que alguém pode se apropriar individualmente do fruto do trabalho que é coletivo. Há desdobramentos, porque hoje vivemos o imperialismo, um "upgrade" do capitalismo.
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Marx não explicou, contudo, o que leva o homem a agir de modo a acumular para si riquezas que a ferrugem e a traça hão de destruir. Não explicou porque o homem não compartilha, não sabe agir com a verdade, não aprendeu a ser honesto nem consigo mesmo nem com seu próximo. Porque é necessário mentir, enganar, roubar, agir desonestamente, hoje, se alguém deseja ser rico, ter sucesso, bens materiais e prestígio.
Aí, então, chegamos ao pecado e às noções de decadência moral que só podem ser explicadas espiritualmente. O homem é um pecador, segundo a Palavra de Deus. Não é pecador porque peca; peca porque é pecador. Essa é a sua condição. A diluição da noção de pecado tem trazido à sociedade a relativização de todo tipo de comportamento, toda sorte de conduta. Cada um faz de si o que quer, e isso faz parte do livre-arbítrio que todos temos. O Estado não pode nem deve dirigir a maneira como alguém maior de idade deseja conduzir sua vida. Mas o Estado deve validar todas as formas de conduta? E quando escolhas a princípio unicamente subjetivas interferem na vida coletiva? Isso é o que quase sempre ocorre.
Para explicar esse fenômeno costumamos nos deter no capitalismo e em seus pilares, nas instituições que dão suporte a esse sistema, nas leis que respaldam a apropriação indébita, na conformação internacional dos países, que divide o mundo entre ricos e pobres. O comportamento individual que sustenta o sistema, assim, é alicerçado em leis, instituições, formas de governo e mecanismos econômico-sociais que o validam. O problema é que os estudiosos, raras exceções, costumam se ater, em seus estudos e críticas, às conseqüências -- e não chegam nunca às causas.
Mas há outras formas de comportamento individual que são nocivas, também, à coletividade. Pela extensão dos danos causados a terceiros, pela ausência de critérios ou diretrizes, pela normalização de sua prática e o que isso causa. Essas "maneiras de viver", consideradas tão válidas quanto quaisquer outras, perdem em sobriedade, racionalidade, comedimento, sabedoria. Mas, tão justificadas estão para a manutenção do sistema que são tidas como intrínsecas ao homem e necessárias à própria existência deste. O ser humano, modernamente, coloca seus desejos e interesses, todos eles, acima do bem estar do outro, e acha que essa é a forma natural de viver: egolatramente centrado, egoísta, nascisista. Como diz o Renato Russo, em "Baader-Meinhoff Blues", "afinal, amar ao próximo é tão démodée".
Não é só a ganância e o roubo que transformam a sociedade na excrescência que ela é. A luxúria, a mentira e a lascívia, só para citar mais três, transformam o homem na "coisa" que o capitalismo necessita, como disse Marx ao afirmar que o sistema promove a reificação do homem (res, do latim, coisa). É fundamental, neste mundo de múltiplas sensações, experimentar o que é "novo"; ter além do que é necessário; obedecer aos "impusos"; ceder aos desejos. De mestre de si mesmo, racional, o homem dá vazão a todas as suas perversões e se ajoelha diante de todos os seus desejos, fraquezas e imperfeições. O desejo, por si só, justifica a falsa libertação em um mundo que aprisiona o ser humano dentro de seus instintos e o faz crer que "ter" é igual a "ser". O corpo passa, de algo individual e sagrado, à coisificação por meio do sexo, da droga, do consumo da moda e do que quer que traga mais "sensações diferentes" a um ser humano frustrado e vazio, insatisfeito consigo mesmo.
Assim, adolescentes anoréxicas acreditam entrar em um mundo no qual a conformação estética se adapta ao mercado da moda. Senhores pedófilos recorrem a redes internacionais a fim de satisfazer a desejos sexuais com crianças. Consideram eles que esses desejos são naturais e incontroláveis, e, por conta disso, fazem parte da natureza humana. Cresce o tráfico internacional de crianças, e na Holanda está em vias de ser legalizado um partido que milita pela causa da pedofilia. Também crescem a prostituição e o tráfico internacional de mulheres, que vendem sexo e fazem disso uma profissão, já legalizada na Asutrália e na Holanda, por exemplo. Aumenta o tráfico de órgãos, quase sempre "doados" por pobres e "consumidos" por ricos. Do mesmo modo se instituem os tráficos de drogas e de armas. As drogas sustentam dependentes em todo o mundo, mas o maior consumo se dá também nos países ricos. As armas são usadas em guerras civis de países africanos e asiáticos, quase sempre.
Essas operações financeiras, legais ou não, sustentam o mundo capitalista. Assim, o consumo de álcool, legal em quase todos os países, cresce exponencialmente, pois é preciso um mercado consumidor para a grande produção de hoje. Na Rússia, morrem mais pesoas por conta do consumo excessivo de álcool do que de acidentes de trânsito, por exemplo. Aliás, o trânsito é caótico na maior parte das grandes cidades, mas a indústria automobilística vende como nunca e não interessa aos governos, submissos aos interesses do capital, promover transportes públicos de qualidade.
O problema é que não nos chocamos mais. Aliás, a sociedade se escandaliza, mas é seletiva. Recentemente, no Brasil, foi proposto um projeto de lei que proibiria a propaganda de álcool. Nada melhor, em um país em que o consumo é associado à boa performance sexual, ao sucesso financeiro, à alegria e à admiração pública. Sobretudo entre adolescentes são assustadoramente altos os índices de alcoolismo. Acidentes de trânsito têm como sua maior causa a embriaguez. Entretanto, o PL não entrou nem sequer em votação, na Câmara dos Deputados, pois isso seria danoso aos interesses econômicos da Ambev e da Rede Globo, por exemplo. A saúde das pessoas não interessa -- vender mais cerveja, sim. Quem ficou indignado com esta manipulação política, gerada pelo dinheiro? A trágica morte da menina Isabela mobilizou o país, mas a cruel execução de três jovens no Rio de Janeiro não teve tanta audiência. O mal, quase sempre, não nos assusta nem nos mobiliza.
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O fato é que são tantas as notícias que retratam o absurdo da vida neste planeta que nos tornamos insensíveis, finalmente, ao absurdo. De tanto sermos expostos às conseqüências do mal e de vermos que o bem não se sobrepõe a ele, criamos mecanismos psicológicos para conseguirmos viver, apesar de.
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Circulam na internet vídeos, fotos, notícias que já não chamam a atenção. Na revista Veja de 18/06, por exemplo, há uma reportagem de capa com o bilionário Eike Batista. Não nos causa constrangimento saber que "Eike é bilionário assumidíssimo" em um país de maioria miserável -- aliás, em um mundo de pobreza que é este. Eike "mora numa casa de 3500 metros quadrados" quando nas favelas famílias inteiras dividem cômodos de menos de quatro metros quadrados, sem água encanada, sem luz. O terreno da casa de Eike tem "60 000 metros quadrados", num país em que não há reforma agrária nem urbana, e onde o pobre miserável consegue um pedaço de chão, mesmo, quando morre e tem seus sete palmos embaixo da terra garantidos.
Outro dia tentei ver um vídeo sobre o Museu de Arte Erótica do Grupo Gay da Bahia, algo assim. Isso também não chocaria muita gente, mas eu não consegui ir até o final. A imagem de Luiz Mott ao lado da escultura de uma criança nua, isso aliado ao fato de que ele defende abertamente a pedofilia, me deixaram de tal modo perturbada que não consegui ver toda a filmagem.
O "estilo de vida" de Eike Batista e de Luiz Mott interferem, sim, na vida de outros, na medida que implicam, de modo direto ou indireto, a desgraça do próximo. Do mesmo modo é a opção de uma mulher pelo aborto. A criança que está em seu útero não é propriedade dela, apesar de depender de seu organismo durante o período da gestação. Mas, entre a vida da criança e a "liberdade" da mulher, muitos acham lógico que a mulher possa matar a vida que está dentro de si. Pessoas que consomem cocaína também reivindicam poder fazê-lo de acordo com sua "opção", apesar de isso incitar o tráfico e a violência.
Como se vê, nem todo comportamento de caráter moral tido como pessoal, de foro íntimo e subjetivo atinge somente seu praticante. Se formos pensar em diversas outras práticas que a princípio são tidas como unicamente pessoais, perceberemos que elas ecoam em nível social mais do que desejaríamos admitir. Mas, infelizmente, nada disso nos surpreende.
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Mayalu Felix
2 comentários:
Maya,
Como você disse Marx, explicou o sistema de produção capitalista, mas não explica tudo, como a idéia que os marxistas tentam passar. É claro que a filosofia e sociologia ajuda a entender muita coisa, mas não explica determinadas coisas. É a luz da Bíblia que consigo entender a decadência moral e espiritual dos nossos dias.
Obrigado pela visita ao meu blog,
Juber
Maya,
Paz!
Gostei muito de seu blog, e estou adorando seus comentários aqui no Notícias Cristãs.
Vi que você colocou o widget do NC. Gostaria que você me enviasse o códgio de um mini-banner ou de um widget para estabelecermos de fato nossa parceria, ook?
Um abraço
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