Será que um dia vamos enxergar o genocídio moral que deixamos a TV fazer conosco 24 horas por dia, sete dias por semana?
Vejo, desde a infância, atores arrancando as calças com furor para se entregar a alguma paixão no corredor, no quarto, na sala no escritório - e levantando no dia seguinte batendo a mão na testa, arrependidos e nus na cama, ao lado da pior pessoa possível ou de um ilustre desconhecido. Internalizei que paixões são impossíveis de se resistir.
Qualquer beijo mais quente me leva para a cama. Não considero conseqüências. Calcinhas e cuecas devem necessariamente voar para todos os lados se estamos mesmo apaixonados, e nada no meu instinto animal está sujeito a algum tipo de julgamento moral de qualquer espécie. Qualquer maneira de amor vale a pena.
Sei também que uma família pobre feliz só pensa que é feliz porque ainda não lhe foi revelada a verdadeira origem do filho. Ele será filho de outra mulher que não a mãe, ou de outro homem que não o suposto pai, mas será herdeiro de uma grande fortuna, porque verdadeira felicidade só existe onde há dinheiro.
Nesta nossa terra-padrão-global a pobreza é um mal intrínseco a ser extipado a qualquer preço. Vale tudo para escapar dela: ser gigolô, tornar-se prostituta, achar dinheiro e não devolver, matar - afinal, tudo não são coisas inerentemente ruins, basta ter um bom coração, apesar de tudo. A maior realização na vida é tomar um bom champanhe e comer caviar. Este alvo supremo deve ser perseguido acima de todos os outros.
Risadas e harmonia só existem onde há um carro novo na porta. Na vila das classes baixas, só há donas de casa frustradas gritando com seus maridos e jovens lindas em profunda depressão que fariam qualquer coisa por fama e fortuna. Neste mundo, não existe honra, só a celebridade; não há moral, só a lei do Gerson, aquela de levar vantagem em tudo.
Aprendi depois de muitas novenas em frente à TV que as esposas aparentemente boas e fiéis são uma categoria em quem não se pode confiar. Um dia, elas sempre vão revelar quem realmente são: pessoas sem-caráter e trapaceiras, interessadas somente no dinheiro do marido. Sexo satisfatório, só fora de casa. Ficar em casa num domingo e comer macarronada com os filhos e a sogra é absolutamente desprezível. Se eu quiser ser realmente feliz, preciso estar em algum motel, badalando numa festa ou dando gargalhadas de curvar a cabeça numa mesa de bar, cercada de gente brindando sei lá ao quê. A família (aquela coisa de pai, mãe e filhos) é lugar apenas de tristeza, frustração, traições e ódios mútuos. Conforto e prazer, só na rua.
O antigo ditado "beleza não põe mesa" foi substituído por "beleza é fundamental" em todas as idades, todas as profissões, para toda a vida. Ai da feia! O feio até se dá bem sendo bandido, mas a feia...Garotas de 15 anos já devem se preocupar com plásticas e economizar dinheiro para um dia fazê-la, da mesma forma que, antes, poupava-se para a faculdade.
Amantes e prostitutas, elas sim são pessoas decentes. Sacrificaram tudo na vida pela profissão, ou pelo cuidado ao amante. As donas de bordel são sempre boazinhas e boazudas. E, claro - portam a verdadeira moral, são a bondade personificada, ajudando os pobres, mantendo a família. É gente que ama sem esperar nada de um homem só, enquanto praticam suas boas obras com todos os homens.
Mulheres lindas e mal-amadas sempre dormirão com vários homens e até farão filhos redentores e messiânicos com alguns dos parceiros que já foram seus grandes amores. Mas seu destino cruel é nunca formar família; afinal, família é maldição de pobre.
Fui condicionada a esperar sempre que homens sejam infiéis compulsivamente, porque "homem é assim mesmo". Mas serão sempre fiéis a uma só mulher em seu coração. Percebo que alguns podem amar mais de uma de um jeito confuso. Mas todos os homens são irresistivelmente fogosos, e nunca usarão camisas, só jeans abaixo do umbigo. As moças, por sua vez, também apenas no sentido platônico, manterão um certo amor como o principal - mas, quem pode resistir a tantos peitos musculosos e abdômenes de jacaré?
Bandidos não haverá, ou se houver, serão sempre punidos - a não ser, é claro, os de colarinhos brancos. Nisso a realidade imita a ficção, e vice-versa. Além disto, os bandidos são facilmente reconhecíveis. Dica: são feios. É fácil percebê-los no meio da multidão de caras lindas. Ah, e tem os pobres, também. Desconfie sempre deles; geralmente, vão roubar seus filhos, ser coniventes com crimes ou armar estratagemas para lhe destruir por vingança, tudo por conta do que seu tataravô fez com eles no tempo da imigração italiana.
O fundo musical deste mundo, é claro, vai variar bastante, mas só a cada seis meses. Durante este período, a repetição maciça será inevitável. Mas se você sentir saudade das letras, não se preocupe – o tema não vai variar nunca, só o que muda é o ritmo. O tema será sempre eternamente a celebração do sexo.
Será que um dia vamos enxergar o que a televisão tem feito conosco 24 horas por dia, sete dias por semana. Será que no fundo é mesmo a gente se vendo por aí no mais completo genocídio moral?
Tudo a ver.
Viramos uma grande e promíscua aldeia global.
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Bráulia Inês Ribeiro está na Amazônia há 25 anos como missionária, é presidente nacional da JOCUM (Jovens Com Uma Missão) e autora do livro Chamado Radical (Editora Atos).
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FONTE: http://br.groups.yahoo.com/group/escoladepais/message/6889
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NOTA DA MAYA: Este não é o primeiro artigo de Bráulia Ribeiro que eu publico aqui. Estou pensando muito sobre a censura a Rosangela Justino, e devo escrever sobre isso em breve. O que foi feito a ela e a maneira como grandes grupos fazem lobby e tentam impor uma opinião "natural" à sociedade - que no entanto nada tem de "natural" - tem muito a ver com o padrão de moral e costumes globalizado que tentam impingir à sociedade hoje, sobretudo por meio de... novelas! E aproveito tam,bém para, nessa on da de "padrão", não deixar de citar o maravilhoso livro de C.S, Lewis, "A abolição do homem", que desmascara essa imposição ideológica funesta na educação pública da Inglaterra de 50 anos atrás. Imagine você, leitor, como isso ocorre no Brasil de hoje.
4 comentários:
Maya, serah que a igreja evangelica tem um orgão um conselho algo que possa dar apoio a essa moça...qual a denominação dela...existem tantos conselhos na CGADB... serah que os grandes lideres estão se interessando por esta causa...afinal somos igreja,um soh corpo...ainda tem quem acredite nessa declaração biblica.
Olá Maya, se a deixa feliz vou comentar. Primeiro concordo com o texto que a televisão brasileira não tem muitos escrúpulos morais. Mas não entendi o que a autora quer dizer com "genocídio" moral: existe alguma "moral genética"?!
De qualquer forma, ninguém é obrigado a passar horas assistindo tv como a autora tenta fazer acreditar, muito menos a tv globo. Aliás, isso parece propaganda... porque as pessoas tem que assistir à tv globo?
E julgar que as pessoas serão influenciadas assim é no mínimo pressupor que elas não tem uma gota de inteligência e que não são capazes de decidir, de fazer escolhas morais.
Acho que o texto superestima a rede globo e menospreza a inteligência do povo brasileiro.
E não entendi mesmo o termo "genocídio" aqui...
Abraço.
Anônimo 1,
Não entendi o que você quis dizer com seu comentário, por favor seja mais explícito.
Quanto à CGADB, receio que ela não possa nem ajudar-se a si mesma, quanto mais aos outros.
Um abraço,
Maya
Anônimo 2,
Bom, seria melhor se você se identificasse, não?
Primeiro, creio que a autora quis usar "genocídio", aqui, como sinônimo de "catástrofe", o que é corrente na Língua portuguesa atual, e eu concordo com ela que as proporções das mensagens subliminares e nem tão subliminares das novelas são alarmantes em nossa cultura.
A questão não é a obrigação que as pessoas têm de ficar em frente à TV, penso eu. É que não há muita opção, e, devido ao condicionamento que já existe em nossa cultura, relativo à TV, elas ficam, seja lá o que passe. Pelo seu raciocínio, qualquer emissora poderia passar um filme de sexo explícito às 14h, num domingo, e não haveria problema. Afinal de contas, liga a TV quem quer, não é? Veja, a questão é bem mais profunda...
Bom, Anônimo 2... Quanto à sua dúvida acerca da influência que as novelas exercem sobre o comportamento das pessoas... Diga-me, você mora na Suécia ou no Brasil? Infelizmente, Anônimo 2, a maioria esmagadora das pessoas não tem senso crítico, nem sabe julgar. Você já leu "A abolição do homem", de C. S. Lewis? Nesse livro isso fica muito claro, pois o autor desvela os mecanismos que fazem da maioria das pessoas seres acríticos e prontos a engolir uma versão de mundo perversa, estúpida e anti-cristã, inclusive a que inocenta os meios de comunicação de massas (ou a escola, ou o livro didático) dessa influência torpe, como você tenta fazer em seu comentário.
Voltando ao termo "genocído"... Fui na Wikipédia, Anônimo 2, para esclarecer sua dúvida. Veja: "O termo genocídio foi criado por Raphael Lemkin, um judeu Polaco, em 1944, juntando a raiz grega génos (família, tribo ou raça) e -caedere (Latim - matar)." O que a autora diz? Que a TV perpetra contra as famílias a destruição (o assassinato) moral em massa, com suas emissões anti-éticas e anti-cristãs. Ficou claro?
Um abraço,
Maya
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