Estávamos todos à mesa na véspera de Natal, ainda no início da noite. Vestidos solenemente, esperávamos o momento de comer o jantar simples que teimávamos em chamar de ceia. Minha mãe estava eufórica com aquela pequena reunião familiar. Meu cunhado observava tudo com poucas palavras. Eu, confesso, tinha fome e queria comer. Minha irmã dava atenção aos filhos.
Ela tentava explicar para meu sobrinho de quatro anos, apesar da pouca atenção que ele dispensava ao arrazoado, o que era, afinal de contas, “o verdadeiro Natal”. Depois de alguns minutos de pouca atenção, Paula começou a falar do ano que já terminava e das inúmeras bênçãos que ele – o Davi – havia recebido. “Você viu, meu filho, como você teve coisas boas este ano? Você teve uma caminha quentinha... Teve a escolinha... Papai, mamãe... Roupa, comida...” Davi, à medida que Paula falava, ficava mais e mais sério. Era muita coisa para que ele processasse, muitas informações – na verdade, a mãe desfiava sua vida inteira ali, à mesa do jantar. Seu pequeno universo infantil, tudo o que ele conhecia e que lhe parecia familiar a mãe fazia passar em revista como presentes recebidos, não como partes de seu mundo que não existiam sem ele. Ele, que nunca havia pensado nisso, muito menos de modo tão grave, parecia mais vítima de uma acusação que recebedor de tantas “coisas boas”.
De repente, estrategicamente, Paula para. Olha bem nos olhos do filho. A voz suave, entretanto, inquiria: “E você sabe, meu filho, quem deu tudo isso pra você? Você sabe?” Silêncio. Pausa. Davi não ousava dizer nada. Talvez sua cabeça se perguntasse: “Papai? Mamãe? Os dois? Vovó?”. A mãe, então, diante do silêncio geral – todos agora acompanhavam o diálogo, que caminhava para seu apogeu com vitória de mamãe, por dez a zero –, declara: “Jesus!”
Mais silêncio de Davi. “Ora essa, Jesus!”. Talvez ele se perguntasse: “Como eu não pensei nisso antes?” Jesus era o nome que pouco a pouco passava a fazer parte de sua vida. Era invisível, e a mãe dissera que vivia no céu. Uma vez, de férias na casa da avó, em São Luis , pegou os binóculos da bisavó e, surpresa geral (surpresa por quê?), mirou as nuvens para tentar encontrar Jesus. Ele não morava no céu?
Ceia intocada, todos acompanhando a educação cristã que Paula tentava dar ao filho. “Sabe, meu filho, Jesus deu tudo isso para você este ano... A única coisa que Ele quer de você, você sabe o que é?” Mais silêncio. Olhares carinhosos e emocionados de todos. É de pequeno... Ensina a criança no caminho... Ah, a magia do Natal... O aniversário de Jesus... “Então ele quer um presente também...”, deve ter pensado Davi. Mas não ousou dizer nada. Em pé, ao lado da cadeira da mãe, olhava para cima. Balançou a cabeça, não sabia. “A única coisa que Ele quer é o seu coração!”, disse ela, voz triunfante embargada de emoção, olhar fixo no menino.
Davi, voltando a cabeça para o sofá, olhou os dois pirulitos vermelhos "baby coração" que jaziam no estofado – os dois sabor morango, vermelhos, em forma de coração – que eu havia trazido do Rio de Janeiro para ele e, rapidamente, perguntou para a mãe: “Os dois?”
3 comentários:
Voltou a escrever! E bem! Já quase chorei de rir, Maya. Nem me lembrava mais desse causo. Eu deveria anotar. Como o q aconteceu no sábado passado: comíamos no McDonald's, q estava cheio de estudantes de um colégio. A Joana agarrada nas batatas fritas, chamou a atenção de um bando de meninas de seus 10-12 anos, q a cercaram, adulando, tirando fotos, uma verdadeira atração turística. O Davi, com uma arma imaginária, matava todas. Uma delas, agachada ao meu lado pra ficar no nível da Joana, falava: "ai como ela é linda, como é fofa, como é perfeita!" pausa. Olha pra mim: "ela não parece com vc..."
Adoorei o seu blog ! :D Quanta criatividade!!
Olá Maya! Tempo não passo em seu espaço e ao retornar me deparo com este texto criativo, parabéns. Grande abraço e um fim de semana pleno em Deus pra vc, paz.
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