Senhor Jackson Lago,
Sempre quis escrever esta carta. Devo confessar. Sei que agora o senhor está morto, mas se estivesse vivo provavelmente também não a leria. Aliás, como vai? Espero que me desculpe pela ousadia. Perguntar "como vai?" a um morto pode parecer ironia ou desrespeito, mas de fato me interesso pela sua vida. Desculpe-me, pela sua pós-vida. Mas não vou tentar adivinhar onde o senhor está. Isso não é comigo. Acima de tudo, peço que o senhor não se ofenda com esta missiva. Afinal, o senhor foi um homem público. Foi eleito governador do Maranhão – com a ajuda do meu voto, diga-se de passagem.
Primeiro, devo dizer que nutria pela sua pessoa grande admiração. Não só por sua figura austera, que me inspirava e me dava esperança de dias melhores, como também por sua destacada atuação no que se costumava chamar de “oposição”, aqui neste velho e surrado Estado do Maranhão. Oposição a um grupo que está no poder há mais de 50 anos. Essa oposição unia o senhor, políticos de diferentes origens e matizes ideológicos, profissionais de áreas diversas, cidadãos pobres, meio pobres, mais ou menos e também muitos ricos, artistas, pensadores, poetas e, provavelmente, o dono do Cuscuz Ideal. Mas há outra razão. Minha avó Maria Amélia, por quem nutro um amor filial e terno, muitas vezes me contou que tomou conta do senhor, ainda criança, em Pedreiras. Ela, já mocinha, conhecia sua família e por vezes cuidava de lhe trocar as fraldas. Suponho que dela o senhor não se lembre. Nem de mim, aliás.
Mas falemos de política. Há uma estranha e nociva inversão de valores em todos os lugares e áreas deste vasto mundo (talvez não na Nova Zelândia, mas este assunto fica para a próxima carta). Os eleitos para trabalhar pelo e para o povo se tornam pequenos monarcas, dignos de toda pompa e circunstância. Quando erram, tornam-se avessos a toda espécie de crítica. Com isso, não temos elegido servidores do povo, mas reis, rainhas, tiranos, semideuses.
Quando o senhor se candidatou ao Governo do Estado, após três felizes passagens pela Prefeitura de São Luis, houve choro e ranger de dentes no grupo que ocupava o poder. E houve uma imensa alegria do lado de cá, daqueles que se diziam oposição, por um Maranhão mais livre, mais solto, mais crocante e com sabor original. Tive um lampejo de esperança de que finalmente – finalmente! – iríamos deixar o atraso decorrente de anos a fio de domínio político familiar nestas paragens. Mas descobri, também com seu Governo, que é muito difícil ter esperança no Estado do Maranhão. Em 2006, vi em sua candidatura uma oportunidade singular de darmos fim à letargia política deste pobre Estado. Não só eu. Em meu trabalho, a Universidade Estadual do Maranhão, colegas professores e funcionários e estudantes uniram-se pelo objetivo comum de elegê-lo governador. Não havia um só estudante que não declarasse, orgulhosamente, esperançosamente, o voto em sua candidatura. O senhor sabe, os professores universitários quase sempre acham que têm uma clarividência política que os demais mortais não têm. Pensam assim porque estudaram mais que a média da população, leram mais que a média, analisaram mais a situação política e debateram mais que a média. Ledo engano. Terrível engano.
Pois bem. Votei no senhor em 2006. Durante sua campanha, levava em meu carro, um Celta preto, 1.0, sua bandeira. Fui a um de seus comitês e pedi que soldassem, na parte traseira do carro, um suporte para que ela ficasse constantemente ali, tornando pública minha opção política e fazendo propaganda de sua candidatura. Também colei nos vidros do carro adesivos com seu nome e número (o 12!). Além disso, tinha o CD com aquela musiquinha “é 12, é 12, é 12, é 12...” e, ao sair de carro, os vidros abertos – pois não tinha ar condicionado – escutava-a no volume mais alto. Tenho o CD ainda hoje. Fiz campanha para o senhor como pude. Ganhei os votos que pude. Conversei com os colegas que encontrei pela frente, os amigos, os parentes, a fim de convencê-los de que o senhor era – enfim! – a solução. Sobretudo para a Universidade Estadual do Maranhão, tão empobrecida, carente de recursos, desvalorizada. Pensei que a Uema floresceria em seu Governo. Não só a universidade, mas toda a rede pública de Educação, que vive sempre dias de agonia em um Estado que apresenta os piores índices educacionais do Brasil.
Em 2007, entretanto, seu Governo propôs o PL 080/2007, transformado na Lei 8.592/2007, de 24/04/2007, pela Assembleia Legislativa do Maranhão. A Lei foi chamada por nós e pelos maranhenses de “Lei do Cão”. O senhor se lembra? Os vencimentos dos professores e de outras categorias do funcionalismo público seriam transformados em “subsídios”. O que é um subsídio? Ora, o senhor deveria saber. Segundo o Artigo 39 da Constituição Federal, é a "forma de remuneração atribuída a membros de Poder, detentores de mandato eletivo, ministros de Estado e Secretários Estaduais e Municipais, fixado em parcela única, sobre a qual é vedada o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória..." E por que nós, professores, ficamos tão revoltados, senhor Jackson Lago? Porque com essa Lei o senhor acabou com várias gratificações e adicionais, que foram transformados em "vantagens pessoais congeladas".
Na época, fizemos uma Carta à sociedade explicando as razões de nosso movimento, o porquê de termos de paralisar as aulas, de termos de ir às ruas, de termos sido obrigados a ir contra o governador pelo qual tanto havíamos lutado. Segundo a nossa Carta, vale lembrar, senhor Jackson, que sua lei:
- Congelou a gratificação por titulação, adicional por tempo de serviço e percentual de insalubridade, todos transformados em “vantagens pessoais”;
- Extinguiu a condição Especial de Trabalho e o Adicional de Risco de Vida que incidiam 100% sobre o salário dos servidores técnico-administrativos. Foram extintos, e seriam substituídos por "serviço extraordinário", em valores também congelados (ref. março/2007);
- Substituiu "vencimento" por subsídio, que vedava a agregação de quaisquer vantagens, feria o sistema meritocrático que fundamenta a carreira universitária, o que poderia ter resultado na evasão de cérebros e inibido a absorção de novos cientistas e técnicos altamente qualificados;
- Proporcionou insegurança jurídica se as "vantagens pessoais" seriam levadas para a aposentadoria;
- Impôs dificuldades na elaboração e negociação dos novos Planos de Carreiras, Cargos e Salários, com o conceito de "subsídio".
Quero continuar a citar a Carta, que ajudei a escrever e revisei. Mais do que outro documento, é ela que diz como foi o tratamento que recebemos do senhor, na época. Sigamos:
“Para os trabalhadores da Uema, professores e técnicos administrativos, que têm salários ancorados em ‘vencimento’, o regime de subsídios sepulta o sistema meritocrático e do aperfeiçoamento científico que fundamenta a carreira universitária, com perdas irreparáveis ao capital humano da instituição. [...] A reação dos professores do ensino básico, logo seguida por todos os servidores da Uema, a essa insensatez do governo foi acertadamente, firme e imediata, só lhes restando o recurso da greve, para lutar contra as lesões que a lei causa nos seus direitos, tão duramente conquistados, ao longo da história. A greve da Uema foi iniciada pelo Sintuema/Assuema no dia 02/05/07 e em seguida apoiada pelos professores reunidos em Assembleia no dia 07/05/07. Os trabalhadores da educação da rede pública estadual de ensino, por meio do Sinproessema, aderiram ao movimento no dia 22/05/07. O movimento grevista, composto de 11 entidades sindicais, está sendo coordenado pela CUT/MA. Nos primeiros 30 dias da greve, fizemos várias passeatas contra a lei, em uma das quais fizemos o seu enterro simbólico. Participamos de cinco reuniões com representantes do Governo, nas quais as negociações pouco avançaram, por conta da intransigência do Governo em não aceitar a revogação da lei nem tampouco discutir alternativas ao regime de subsídio.
A última reunião que tivemos no Palácio dos Leões, solicitada e dirigida pelo governador Jackson Lago (25/05/2007), resultou na criação de três comissões por ele sugeridas, formadas por representantes do Governo e pelos membros da Comissão de Negociação: a primeira, para estudar a questão dos subsídios; a segunda, para estudar OS PLANOS DE CARREIRAS, CARGOS E SALÁRIOS, e a terceira, para estudar um plano para a educação no Estado do Maranhão.
A última reunião que tivemos no Palácio dos Leões, solicitada e dirigida pelo governador Jackson Lago (25/05/2007), resultou na criação de três comissões por ele sugeridas, formadas por representantes do Governo e pelos membros da Comissão de Negociação: a primeira, para estudar a questão dos subsídios; a segunda, para estudar OS PLANOS DE CARREIRAS, CARGOS E SALÁRIOS, e a terceira, para estudar um plano para a educação no Estado do Maranhão.
À primeira reunião da comissão de estudo dos subsídios, enquanto compareceram todos os representantes da Comissão de Negociação, o governo mandou quatro servidores de escalões inferiores, quase todos sem informações e com conhecimento limitado sobre o assunto.
À segunda reunião, só compareceu um desses representantes, ficando então confirmado o esvaziamento das comissões sugeridas por Jackson, numa atitude tão desrespeitosa para com os grevistas quanto desmoralizante para o governador, pois induziu à convicção de que havia alguém com maior poder de decisão que o governador.
Diante dessa circunstância, a Comissão de Negociação decidiu buscar o apoio da Assembleia Legislativa, resultando numa demorada reunião da qual participaram, além do Chefe da Casa Civil, a Comissão de Negociação e oito deputados, inclusive o Presidente da Assembleia. Como resultado dessa reunião, a Comissão de Negociação assumiu o compromisso de apresentar as suas postulações sobre a revogação ou mudanças na Lei do Cão.
Tal compromisso foi honrado pela Comissão de Negociação, com a entrega de um documento ao Sr. Aderson Lago, no dia 14 de junho de 2007, conforme ficara acordado. Em decorrência, Aderson anunciou aos grevistas que haveria uma reunião no início da semana seguinte, provavelmente, na terça, ou na quarta feira, pois na segunda feira, o Ministro Gilberto Gil estaria visitando a nossa cidade.
Enquanto a Comissão de Negociação aguardava pelo convite do Chefe da Casa Civil para a continuação do diálogo, o Governo, de modo traiçoeiro e mesquinhamente autoritário, apequenou-se: rompeu, unilateralmente, o diálogo e decidiu pedir à Justiça que decretasse a greve ilegal. O movimento grevista recorreu a alguns deputados federais da bancada maranhense e que são da base do Governo, no sentido de impedir que fosse pedida a ilegalidade da greve. Para tal, realizou-se, na residência do dep. João Evangelista, uma reunião com a Comissão de Negociação, da qual participaram os deputados: Domingos Dutra, Julião Amin, Ribamar Alves, Pinto da Itamarati e Cléber Verde, que tomaram conhecimento de toda a questão.
No dia seguinte, os citados deputados reuniram-se com Jackson, trataram de vários assuntos, e sobre a greve, mesmo, só de raspão, mas foi o suficiente para ouvirem do governador a reafirmação de sua inabalável e inflexível decisão de pedir à Justiça que decretasse a ilegalidade do movimento, o que, de fato, ocorreu, para a decepção plena dos que votaram em Jackson, certos de estarem elegendo um Governo democrático.”
Como está claro, tentamos de todas as maneiras conversar com o senhor. Nossa intenção não era, de início, entrar em greve. Mas o caráter autoritário de seu Governo, assim como sua inflexibilidade, levou-nos a reagir, a fim de tentar preservar o pouco que tínhamos de nossas carreiras. Procuramos informar a sociedade maranhense que havia algo errado, profundamente errado, em sua iniciativa. Fiz parte da Comissão de Greve e pude acompanhar de perto o esforço dos colegas para esclarecer o povo, pedir ajuda, abrir o diálogo com as autoridades, levar as informações corretas aos estudantes e suas famílias e à população, de modo geral. É claro, tentamos falar com o senhor, que não nos recebeu em nenhum momento, tratando-nos como indigentes à porta de seu palácio. Logo a nós, senhor Jackson, que tanto havíamos lutado para que o senhor se elegesse! Que grande e triste surpresa! A cada assembleia, a cada reunião, chegávamos à conclusão de que elegê-lo havia sido um erro. Não bastasse a Educação e a Saúde estarem vivendo graves problemas, a crise da Segurança Pública tornava-se mais e mais complexa – a secretária, Eurídice Vidigal, era mulher de seu amigo, Edson Vidigal. A propósito, seu Governo, em termos da contratação e do beneficiamento de amigos e parentes não foi muito diferente dos sucessivos governos da oligarquia. Mas vou falar disso em outro momento.
Também preciso dizer, oportunamente, que seu Governo não se fez sozinho. Por isso mesmo, o hoje candidato pelo PC do B ao Governo do Maranhão, dono de um discurso quase idêntico ao seu, o juiz Flávio Dino, na época foi ao Supremo Tribunal Federal a fim de defender a Lei 8592/07, a nefasta "Lei do Cão", implantada pelo senhor e derrubada pela governadora Roseana Sarney assim que assumiu o comando do Estado, em 2009. Quem denunciou isso? O hoje candidato ao Governo pelo PSTu, Saulo Arcângeli, que na época era professor da Universidade e estava conosco no propósito de barrar a citada Lei. Flávio Dino, que era então deputado federal, também se preocupou em ir aos sindicatos e associações de servidores – Sindjus (Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado do Maranhão), Sinproesemma (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Maranhão), Sintuema (Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Estadual do Maranhão), Assuema (Associação dos Professores da Uema) – a fim de nos pressionar a aceitar o acinte que sua Lei nos impunha.
No final das contas, o senhor deve também se recordar, o STF determinou que seu Governo suspendesse a vigência da malfadada Lei 8.592/2007. Essa suspensão foi solicitada pelo PMDB e aprovada por 10 dos 11 ministros do Supremo. Isso obrigou seu Governo a retornar ao sistema antigo de pagamento dos salários dos 120 mil servidores da administração direta e indireta, suspensos pela sua Lei do Cão. No Magistério, somente, ficaram parados 35 mil professores do Ensino Básico (83 dias) e da Uema (103 dias).
Mais? O senhor quer mais? Ora, quem sou eu, senhor Jackson, para contestar esse tal “legado” que seus amigos dizem que o senhor nos deixou. Não é? Porque aqui no Maranhão a construção política quase sempre não é feita com fatos, mas com relações de compadrio, de camaradagem, de oportunismo, cobertas de inverdade e interesses escusos. Obviamente, quem quer que conteste seu grande legado será mal visto. E mal quisto. Eu me preparo para as pedras e para os tomates, como sempre me preparei. O que não faço nem farei é engolir mentiras para dizer que estou do lado de alguma verdade.
Sigamos. Vamos mais adiante. Em uma de nossas passeatas, pacífica, como todas as que ajudei a organizar e das quais participei, o senhor enviou a Polícia Militar para nos receber. Devo dizer ao senhor que tenho verdadeiro respeito pela PM, e que já tinha dado aulas para turmas do Curso de Formação de Oficiais, na mesma Uema que o senhor queria destruir. Por isso mesmo, encontrava, aqui e ali, alguns de meus alunos. Estupefatos, pediam desculpas por estarem ali. Sabiam que nosso movimento era legítimo. Que não estávamos armados. Que estávamos caminhando pacificamente – assim como pacificamente havíamos acampado em frente ao Palácio dos Leões, e ali também cheguei a passar uma ou duas noites – nós, professores e estudantes, funcionários, parentes. Pacificamente, portanto, recebemos as balas de borracha e os gases lançados contra nós. O que fizemos? Corremos. Uma de minhas alunas, que estava próxima a mim, foi baleada com as tais balas de borracha. Sua perna, inchada, aparecia sob o jeans da calça, rasgado.
Levei-a ao hospital, aquele da Rua do Passeio, chamado de “Socorrão”. Novo choque, senhor Jackson! O que vi ali me deixou mais horrorizada ainda com seu Governo. Os corredores estavam lotados, não havia circulação de ar, doentes velhos, novos, graves e menos graves se misturavam. Esperei minha aluna ser atendida e fui me embora dali. Se na Educação seu Governo demonstrava total inépcia, na Saúde não se saía melhor. E o senhor era médico. Médico. Isso nunca me saiu da cabeça. E há os que defendem o “seu legado”! Minha aluna ficou semanas sem andar direito, sentindo muita dor. A dor que eu sentia era no coração. Eu me sentia enganada. Saí daquele hospital, fui para casa e, nos dias seguintes, adoeci. Devo ter pego alguma virose no Socorrão. Enquanto esses fatos se passavam, o senhor deveria estar em seu gabinete, cercado por seus assessores. Soube, aliás, que alguns deles saíram de seu Governo em ótimas condições financeiras. Pelo menos alguém foi ajudado, diria Oscar Wilde, ironicamente. Seus assessores, secretários, amigos, correligionários. Seus cúmplices.
Quando o STF cassou seu mandato, estávamos exaustos. Achei a cassação injusta, fruto de manipulação política orquestrada pelo grupo que manda há muito tempo no Estado. O senhor tinha sido eleito pela maioria, e eu chamei essa cassação de golpe branco. Apesar disso, – e peço que o senhor tente se colocar no meu lugar – não fui às ruas para defendê-lo. Eu e meus colegas, alunos, parentes e amigos teríamos ido às ruas defender sua permanência, mas estávamos cansados, ainda estupefatos com a sua Lei do Cão e, finalmente, preocupados em repor os dias de aula perdidos. Teríamos ido às ruas lutar para que o senhor terminasse seu tempo de Governo, mas nós nos perguntávamos qual a razão para defender um político que só havia nos atacado. Por que ir ao STF pedir que anulasse sua decisão a fim de beneficiar um Governador que estava prejudicando o Maranhão. Por que lutar para que o senhor continuasse propondo leis injustas, prejudicando a Educação, a Saúde, a Segurança Pública, como era notório. Então não fomos. Então o senhor saiu do Governo. Perdeu a melhor oportunidade da “oposição”, até aquele momento, para melhorar o Maranhão. Continuamos ruins. Continuamos deficitários. Continuamos nos últimos lugares. Continuamos sendo notícia por causa de nossa ineficiência, do roubo dos políticos, da violência, da falência do sistema prisional. Se for falar para o senhor de todos os nossos problemas, terei que produzir uma enciclopédia.
Por outro lado, senhor Jackson, sinto que devo agradecê-lo, sinceramente. Porque comecei a perceber, com o senhor, que ser oposição ou situação, aqui no Maranhão, dá na mesma: resume-se a quem vai comer o bolo. Quem vai enriquecer. Quem vai ser o califa da vez. Os grupos podem se alternar, e neste exato momento o senhor deve estar acompanhando estas eleições, em que o então na época deputado federal Flávio Dino, que lutou para nos prejudicar, publica aos quatro ventos que quer “mudar o Maranhão”. Ele está certo. Ele quer tirar a oligarquia do poder porque talvez tenha chegado a sua hora de abocanhar o bolo. O que entendo é que seja ele, seja outro, o Maranhão continuará a mesma coisa. Por isso costumo dizer que o único legado que o senhor nos deixou foi a decepção – ainda que esta seja a inaceitável verdade.
Maya Felix
São Luis, 25 ago 2014.
P.S. Devo fazer um mea culpa, sr. Jackson: o hospital Socorrão, que cito neste texto, não era nem é responsabilidade do Governo do Estado do Maranhão, mas da Prefeitura de São Luis. E em 2007 o prefeito era o sr. Tadeu Palácio, médico como o sr. Desculpe-me pela injustiça. O estado lastimável do Socorrão, de fato, não era culpa de sua administração.
Também preciso dizer, oportunamente, que seu Governo não se fez sozinho. Por isso mesmo, o hoje candidato pelo PC do B ao Governo do Maranhão, dono de um discurso quase idêntico ao seu, o juiz Flávio Dino, na época foi ao Supremo Tribunal Federal a fim de defender a Lei 8592/07, a nefasta "Lei do Cão", implantada pelo senhor e derrubada pela governadora Roseana Sarney assim que assumiu o comando do Estado, em 2009. Quem denunciou isso? O hoje candidato ao Governo pelo PSTu, Saulo Arcângeli, que na época era professor da Universidade e estava conosco no propósito de barrar a citada Lei. Flávio Dino, que era então deputado federal, também se preocupou em ir aos sindicatos e associações de servidores – Sindjus (Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado do Maranhão), Sinproesemma (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Maranhão), Sintuema (Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Estadual do Maranhão), Assuema (Associação dos Professores da Uema) – a fim de nos pressionar a aceitar o acinte que sua Lei nos impunha.
No final das contas, o senhor deve também se recordar, o STF determinou que seu Governo suspendesse a vigência da malfadada Lei 8.592/2007. Essa suspensão foi solicitada pelo PMDB e aprovada por 10 dos 11 ministros do Supremo. Isso obrigou seu Governo a retornar ao sistema antigo de pagamento dos salários dos 120 mil servidores da administração direta e indireta, suspensos pela sua Lei do Cão. No Magistério, somente, ficaram parados 35 mil professores do Ensino Básico (83 dias) e da Uema (103 dias).
Mais? O senhor quer mais? Ora, quem sou eu, senhor Jackson, para contestar esse tal “legado” que seus amigos dizem que o senhor nos deixou. Não é? Porque aqui no Maranhão a construção política quase sempre não é feita com fatos, mas com relações de compadrio, de camaradagem, de oportunismo, cobertas de inverdade e interesses escusos. Obviamente, quem quer que conteste seu grande legado será mal visto. E mal quisto. Eu me preparo para as pedras e para os tomates, como sempre me preparei. O que não faço nem farei é engolir mentiras para dizer que estou do lado de alguma verdade.
Sigamos. Vamos mais adiante. Em uma de nossas passeatas, pacífica, como todas as que ajudei a organizar e das quais participei, o senhor enviou a Polícia Militar para nos receber. Devo dizer ao senhor que tenho verdadeiro respeito pela PM, e que já tinha dado aulas para turmas do Curso de Formação de Oficiais, na mesma Uema que o senhor queria destruir. Por isso mesmo, encontrava, aqui e ali, alguns de meus alunos. Estupefatos, pediam desculpas por estarem ali. Sabiam que nosso movimento era legítimo. Que não estávamos armados. Que estávamos caminhando pacificamente – assim como pacificamente havíamos acampado em frente ao Palácio dos Leões, e ali também cheguei a passar uma ou duas noites – nós, professores e estudantes, funcionários, parentes. Pacificamente, portanto, recebemos as balas de borracha e os gases lançados contra nós. O que fizemos? Corremos. Uma de minhas alunas, que estava próxima a mim, foi baleada com as tais balas de borracha. Sua perna, inchada, aparecia sob o jeans da calça, rasgado.
Levei-a ao hospital, aquele da Rua do Passeio, chamado de “Socorrão”. Novo choque, senhor Jackson! O que vi ali me deixou mais horrorizada ainda com seu Governo. Os corredores estavam lotados, não havia circulação de ar, doentes velhos, novos, graves e menos graves se misturavam. Esperei minha aluna ser atendida e fui me embora dali. Se na Educação seu Governo demonstrava total inépcia, na Saúde não se saía melhor. E o senhor era médico. Médico. Isso nunca me saiu da cabeça. E há os que defendem o “seu legado”! Minha aluna ficou semanas sem andar direito, sentindo muita dor. A dor que eu sentia era no coração. Eu me sentia enganada. Saí daquele hospital, fui para casa e, nos dias seguintes, adoeci. Devo ter pego alguma virose no Socorrão. Enquanto esses fatos se passavam, o senhor deveria estar em seu gabinete, cercado por seus assessores. Soube, aliás, que alguns deles saíram de seu Governo em ótimas condições financeiras. Pelo menos alguém foi ajudado, diria Oscar Wilde, ironicamente. Seus assessores, secretários, amigos, correligionários. Seus cúmplices.
Quando o STF cassou seu mandato, estávamos exaustos. Achei a cassação injusta, fruto de manipulação política orquestrada pelo grupo que manda há muito tempo no Estado. O senhor tinha sido eleito pela maioria, e eu chamei essa cassação de golpe branco. Apesar disso, – e peço que o senhor tente se colocar no meu lugar – não fui às ruas para defendê-lo. Eu e meus colegas, alunos, parentes e amigos teríamos ido às ruas defender sua permanência, mas estávamos cansados, ainda estupefatos com a sua Lei do Cão e, finalmente, preocupados em repor os dias de aula perdidos. Teríamos ido às ruas lutar para que o senhor terminasse seu tempo de Governo, mas nós nos perguntávamos qual a razão para defender um político que só havia nos atacado. Por que ir ao STF pedir que anulasse sua decisão a fim de beneficiar um Governador que estava prejudicando o Maranhão. Por que lutar para que o senhor continuasse propondo leis injustas, prejudicando a Educação, a Saúde, a Segurança Pública, como era notório. Então não fomos. Então o senhor saiu do Governo. Perdeu a melhor oportunidade da “oposição”, até aquele momento, para melhorar o Maranhão. Continuamos ruins. Continuamos deficitários. Continuamos nos últimos lugares. Continuamos sendo notícia por causa de nossa ineficiência, do roubo dos políticos, da violência, da falência do sistema prisional. Se for falar para o senhor de todos os nossos problemas, terei que produzir uma enciclopédia.
Por outro lado, senhor Jackson, sinto que devo agradecê-lo, sinceramente. Porque comecei a perceber, com o senhor, que ser oposição ou situação, aqui no Maranhão, dá na mesma: resume-se a quem vai comer o bolo. Quem vai enriquecer. Quem vai ser o califa da vez. Os grupos podem se alternar, e neste exato momento o senhor deve estar acompanhando estas eleições, em que o então na época deputado federal Flávio Dino, que lutou para nos prejudicar, publica aos quatro ventos que quer “mudar o Maranhão”. Ele está certo. Ele quer tirar a oligarquia do poder porque talvez tenha chegado a sua hora de abocanhar o bolo. O que entendo é que seja ele, seja outro, o Maranhão continuará a mesma coisa. Por isso costumo dizer que o único legado que o senhor nos deixou foi a decepção – ainda que esta seja a inaceitável verdade.
Maya Felix
São Luis, 25 ago 2014.
P.S. Devo fazer um mea culpa, sr. Jackson: o hospital Socorrão, que cito neste texto, não era nem é responsabilidade do Governo do Estado do Maranhão, mas da Prefeitura de São Luis. E em 2007 o prefeito era o sr. Tadeu Palácio, médico como o sr. Desculpe-me pela injustiça. O estado lastimável do Socorrão, de fato, não era culpa de sua administração.